Um dos lugares mais remotos e menos visitados do mundo
É tentador, mas não é correto usar superlativos: “o mais”, “o melhor”, “o primeiro”, “o único”. Além de não sermos capazes de julgar pelos outros, não temos certeza de muitas coisas. A Serra da Mocidade fica em Roraima num lugar de acesso bem difícil.
Tão difícil que os pesquisadores do INPA levaram dez anos para montar uma expedição científica de pouco menos de um mês em campo.
Com quase 2 mil metros acima do nível do mar, a Serra da Mocidade é um dos poucos lugares na Amazônia com altitude, assim como outros Parques Nacionais como Pico da Neblina, Monte Roraima e Serra do Divisor.
Por ser raro haver um local fora da planície e por ser de difícil acesso, é bem provável que ocorram espécies que não ocorrem em outro lugar do mundo. O coordenador da expedição que ocorreu em 2016, Mário Cohn-Haft, foi acompanhado de 70 profissionais, dos quais 50 especialistas biólogos, de diferentes grupos biológicos.
A “Expedição Novas Espécies” encontrou mais de 80 novas espécies, de aves a insetos e plantas. E isso que eles não chegaram ao cume, hein? Até onde vimos, os fungos não foram avaliados nessa expedição, imagina se tivessem sido incluídos?
Voltando aos superlativos, este é um dos lugares mais remotos do mundo pois, ao contrário do restante da Amazônia, é uma área praticamente não povoada. Não somente isso, mas não há registro de que algum ser humano tenha chegado ao topo.
Aliás, o nome “Serra da Mocidade” teria vindo da dificuldade de subir as montanhas da região, que só seria possível para quem estivesse no “vigor da mocidade”. Mas essa é mais uma das coisas que não temos certeza ou se alguém criou depois de a origem do nome ter se perdido.
Como (quase não) chegamos lá!
Estivemos em Roraima no início do ano. Época seca, boa para subir o Monte Roraima e conhecer o pantanal setentrional roraimense do Parque Nacional do Viruá. Mas a seca (mesmo a normal, mas havia uma extrema ocorrendo) torna impraticável chegar à base Bacaba do Parque Nacional.
São 300km de voadeira (um tipo de lancha longa e que passa em lugares rasos que se usa muito na Amazônia) desde Caracaraí.
Em fevereiro o Neto, que nos levou para os rios do Viruá, nos disse que levaríamos pelo menos 3 dias em chegar. Isso se fosse possível, pois frequentemente teríamos que descer da voadeira para empurrá-la rio acima, fora o risco de pisar em uma arraia.
Combinamos para setembro. Eis que em julho nosso amigo Romério, que trabalha no ICMBio, foi até a base do Parque Nacional da Serra da Mocidade e viu que estava tudo pelo menos 1 metro submerso. Pânico e sentimentos mistos: torcemos pelas chuvas na Amazônia, mas tínhamos tudo organizado (passagens etc) e nosso tempo de expedição está no final.
Começamos a acompanhar os reportes semanais dos níveis do rio Branco em Caracaraí, que não é exatamente onde íamos, mas poderia dar uma ideia.
Revimos algumas comunicações antigas, quando começamos a (tentar) entender o que era a Amazônia e o regime de chuvas. Haviam sido muito claros: só dá para ir na época “entre águas”.
O que isso significa para dois paulistanos que mal sabiam que “inverno” significa chuva na Amazônia, que não imaginavam que Roraima tinha outro clima com relação à Amazônia central e meridional, para duas pessoas que achavam que as dificuldades de acesso na Amazônia seriam nas chuvas, pelos atoleiros, e não na seca, pela falta de água nos rios?
Hoje sabemos que sabíamos absolutamente nada, sequer perguntar. Chegamos! Foram quase 10 horas até o paraíso. O caminho em si já vale a pena.
Água Boa do Univini
Na Amazônia há rios de águas claras, que geralmente nascem nos Andes e carregam sedimentos mais novos, e águas pretas, que nascem em menores altitudes e cujos sedimentos já foram carregados. Nos primeiros há mais minerais e costuma haver mais fauna, mas também mais mosquitos.
A base do Bacaba do Parque Nacional (com um telhado nota mil e, depois que saímos foram construir banheiros!) fica no Água Boa do Univini, de águas pretas.
Esses rios tendem a ser bastante sinuosos, correndo devagar, ótimos para percorrer de caiaque (que não tínhamos). Na parte baixa do Água Boa do Univini ocorrem atividades de pesca (pesque e solte), atraindo visitantes estrangeiros que chegam inclusive de hidro avião.
Rio acima fica, de um lado, a Estação Ecológica do Niquá (não ocorre turismo, a não ser com caráter educacional) e do outro, o Parque Nacional, que permite turismo.
A trilha de monitoramento fica colada na base e permite dar “umas voltas” a pé. Não demos sorte em quantidade, mas vimos alguns cuxiús de uma espécie que ainda não conhecíamos (Chiropotes chiropotes).
Com uma cor mais parecida com os macacos prego, mas um rabo mais largo como os macacos barrigudos e o topetinho repartido no meio que conhecíamos dos cuxiús de nariz branco, chamaram a atenção.
Voltamos a vê-los ao longo do rio. Mas a verdade é que vimos pouca fauna comparado ao Viruá, que fica ali pertinho. Ficamos na dúvida se é assim ou é a época. Em época de cheias é mais difícil avistar fauna que na seca, quando os animais “obrigam-se” a aproximar-se dos rios.
Mas quem chega lá na seca para ver e confirmar como a fauna se comporta se o acesso é quase impossibilitado?
A Serra da Mocidade
A vegetação e a distância impedem que a Serra da Mocidade propriamente dita, seja vista a partir do rio ou da base. Só com uma torre seria possível. Ou com um drone!
Por mais que tenhamos nos aproximado, ainda faltou muito para chegar perto dela. Mas ela fica ali imponente, resguardada e aguardando que alguns poucos seres humanos olhem para ela todos os anos, mesmo que indiretamente. E você, através destas fotos, é um dos poucos seres humanos que verá um registro desta serra este ano, acredita?
Dentre os presentes da expedição estão os amigos que fizemos. Na Chapada dos Veadeiros, lá no comecinho, conhecemos o André Dib, um dos maiores fotógrafos de natureza do nosso país. Tomamos conhecimento dele em um livro sobre parques nacionais onde a maior parte das fotos era dele. E logo em seguida nos topamos num açaí.
Pois bem: ele nunca havia visitado este parque e estava esperando uma oportunidade para completar seu livro que está por sair. Além do privilégio de passar uns dias com ele e a Paola, quando sair o livro poderemos dizer que estávamos lá naquele dia, vivendo tudo isso juntos.
Às vezes pode parecer fácil alguém tirar uma foto e publicar num livro ou numa mostra. Mas só quem persegue determinadas imagens e vivências sabe o quão difícil pode ser: como chegar, época certa, o que fazer se nublar, hora do dia e posição do sol.
A gente já havia aprendido a valorizar, mas ver ao vivo os bastidores nos mostra o quão especial e o quanto devemos valorizar quem vai até lá “só para” tirar uma foto para a gente ver.
A volta ao Viruá
Já falamos que a melhor época para visitar o Parna do Viruá é a seca (1o trimestre) e o Parna da Serra da Mocidade é o entre águas (setembro – outubro). Como conciliar? Pois bem, a parte seca do Viruá é isso mesmo, mas para ir aos rios é melhor ir na época mais cheia. E juntar com a Serra da Mocidade é uma grande vantagem em vários sentidos.
Primeiro porque no Viruá tem uma base nota mil onde você pode pernoitar antes de sair cedinho para a Serra da Mocidade; Segundo, porque o Viruá tem paisagens diferentes e complementares às da Serra da Mocidade; Terceiro porque praticamente no caminho de voadeira para a Serra da Mocidade você pode dormir na ponta sul do Viruá, onde só se chega de barco, quebrando a viagem (que é longa); Por último, porque esse acampamento selvagem na praia do Cajueiro é uma delícia.
Havíamos ido em fevereiro. Nosso super guia Neto deu um jeito de passar nas águas rasas e nos levar ao paraíso do Viruá. E voltamos agora com a cheia. A diferença é impressionante! Ambos os momentos são lindos, mas recomendamos combinar com a ida à Serra da Mocidade, pois os custos de viagens de barco são altos (combustível, piloto e aluguel de barco + motor).
Em um mundo cheio de novidades e possibilidades, voltar a um lugar pode parecer besteira, perda de tempo. Mas, depois de viajar tanto, percebemos cada vez mais que voltar e refazer é uma das melhores coisas. Te permite viver aquele mesmo lugar de uma outra forma.
No Viruá, além de observar a diferença entre as estações do ano, acampamos mais uma vez num dos melhores lugares onde já estivemos. E a sensação de familiaridade, de sentir e reconhecer os cheiros, as texturas e as paisagens, foi para lá de especial.
Talvez seja coisa de quem está há um ano e meio sem uma cama para chamar de sua. Mas talvez seja essa familiaridade mesmo que criamos com cada parque e que nos faz querer voltar a todos eles no futuro. Calma, a expedição vai terminar, pelo menos neste formato. Mas ao longo da vida esperamos revisitar todos esses cantinhos que tanto nos proporcionaram.
No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima: