Altas expectativas. Afinal, de um parque nacional com um nome desses não podemos esperar pouco. O Parque Nacional da Amazônia foi o primeiro criado no bioma. A abertura da BR 230, a rodovia Transamazônica, impulsionou sua criação.
Já naquela época sabíamos que ao serem abertas estradas as chances e o ritmo de desmatamento, e outras atividades que exploram os recursos naturais, aumentam substancialmente. O parque fica em uma área no entorno de mais de 100km da rodovia, chegando até o imenso e belo Rio Tapajós.
A infraestrutura do parque está pronta para receber visitantes
O parque é aberto todos os dias das 8h às 18h com duas bases para acesso: Tracoá, logo no início do parque, do lado mais próximo de Itaituba (cerca de 50km da cidade) e Uruá, onde ficam as trilhas mais visitadas, o mirante, as corredeiras e a principal praia.
Há também a possibilidade de pernoite nas bases ou nos acampamentos da trilha da Capelinha. Lá é realizada anualmente uma romaria até a capela de São José da Mata e por isso é bastante usada. Para pernoite é necessário solicitar autorização.
Muitos visitantes visitam este parque para avistar aves. Sabemos por diversas pesquisas, por pegadas que vimos e barulho que ouvimos, que há muita fauna neste parque, nem sempre tão fácil de avistar. Afinal, os animais que chegaram até o presente são justamente os que souberam se adaptar e fugir melhor dos humanos
Nas bases há banheiros e estacionamento, o acesso é gratuito. Nos demais pontos o carro fica ao lado da pista da Transamazônica, convém avaliar questões de segurança para longos períodos à beira da pista (por mais que seja dentro de um parque nacional, não há ronda constante na estrada).
Além de trilhas, há também atividades com bicicleta, caiaques, corrida de aventura. a ADTUR (https://www.instagram.com/adturismo_tapajos) coordena diversas atividades ao longo do ano. Eles fazem um belíssimo trabalho de levar escolas até o parque, proporcionando atividades de educação ambiental e lazer como tivemos a oportunidade de acompanhar.
Nos dois finais de semana em que estivemos na Pousada Portal do Parque Nacional da Amazônia (https://www.instagram.com/pousadaportaldopna) acompanhamos essas atividades e também uma oficina de lixo zero e de origami usando papel que seria descartado.
Só faltou ver a ararajuba, símbolo do parque: mais um bom motivo para voltarmos
Ou seja, consideramos este parque como o Portal da Amazônia não somente por ter sido o primeiro parque nacional no bioma, mas pela estrutura pronta para receber visitantes, pela acessibilidade de carro, pela diversidade de trilhas e atrativos.
Base do Tracoá
A Base do Tracoá é a porta de entrada do parque para quem vem de Itaituba. São 53km pela Transamazônica (fora do parque, em trechos inclusive em estado de desertificação) até cruzar a ponte do Igarapé Tracoá.
Depois de assinar o termo de acesso, dali parte uma trilha curta, sombreada e cheia de aves e árvores de todos os portes e espécies, até uma praia rochosa no Rio Tapajós. Há quem faça a descida pelo Igarapé de caiaque, mas para isso é altamente recomendável ter, além de um caiaque, um guia.
Ainda próximo a essa base há uma corredeira do Igarapé Tracoá, onde o banho acaba sendo desaconselhado pela possível presença de poraquês, ou peixes elétricos. Apesar de haver o risco, não significa que eles estarão ali esperando para eletrocutar alguém. Converse com as pessoas e avalie a segurança para banho nesse local.
Algo que chama a atenção neste parque é a presença da chamada “Terra Preta de Índio”. A Amazônia tem um solo bastante ácido e arenoso. Por isso, quando ocorre o desmatamento há grande risco de desertificação. A floresta amazônica está em um ciclo de manutenção da vida, um equilíbrio instável.
O solo pobre em nutrientes é enriquecido por uma camada superficial de folhas e demais dejetos de animais chamada serra pilheira. Ali é feita a decomposição do material orgânico por diversos micro organismos e fungos, material este que alimenta as árvores e propicia seu crescimento.
Se o ciclo é interrompido, subtraindo uma árvore por exemplo, menos matéria orgânica é devolvida ao solo e menos chances de crescimento têm as próximas árvores. Com menos flora, menos fauna. Com menos fauna, menos espalhamos sementes, menos flora, e assim por diante em um ciclo perverso e irreversível.
Há mais de 2 mil anos viviam aqui indígenas Tapajó (segundo os estudos de Curt Nimuendajú de 1939 essa seria a forma correta de se denominar os indígenas do Cacique Chipayo, o que pode ser a origem do nome Tapajó), que depositavam em determinadas parcelas da florestas os restos de alimentos, cascas de frutas, dejetos humanos, cerâmica quebrada, cinzas. Isso tudo criava (sem querer ou intencionalmente – a comunidade científica está estudando ambas hipóteses neste momento) um solo rico em nutrientes. É uma espécie de composteira coletiva.
Onde encontra-se uma terra mais rica, menos arenosa, e com restos de cerâmica, há indícios de presença humana anterior. Estudar essa terra preta pode ser um dos pontos mais importantes e que poderá nos trazer mais respostas para a crise climática. Temos hoje um grande problema com lixo, e usá-lo como forma de produzir nutrientes e reflorestar os ambientes pode ser uma solução.
Brase do Uruá
A Base do Uruá fica 13km parque adentro e é para onde a maior parte dos visitantes se dirige. Isso porque ali estão o mirante, a praia e as corredeiras. A dúvida do mirante é se devemos ir antes ou depois de ir à praia. Observar a praia de lá pode dar a impressão de que é longe, mas não é. Então, se você estiver com receio de a trilha ser longa, a dica é: vá primeiro até a praia e só depois quando voltar vá ao mirante.
O Rio Tapajós neste trecho tem mais de 3km de largura e vem com força. Até por isso foi discutida a construção de uma usina hidrelétrica, parte da área do parque foi desafetada (reduzida) para isso. Mas as discussões mudaram e hoje o parque tem sua área de volta, a construção não deve ocorrer (afinal, vimos todos os impactos e a geração abaixo do esperado em Belo Monte e não convém repetir erros).
O rio é sem dúvida o principal atrativo do parque, é para onde muitas trilhas apontam, parte delas pode ser feita inclusive de carro. O único trecho com acessibilidade a cadeirantes é mesmo o mirante, mas o ICMBio dispõe de quadriciclos e poderia levar uma pessoa com dificuldade de locomoção até a praia.
Apesar de largo e de sua correnteza parecer fraca, ele é forte e é necessário tomar cautela. Do lado da praia e das pedras que dão acesso às corredeiras bate muito sol pela manhã e ao meio dia, recomendamos ir primeiro em uma trilha sombreada e curtir o rio à tarde, quando há mais sombra.
Além da trilha interpretativa (chamada de auto-guiada) que chega às corredeiras passando por uma bela mata, há uma trilha mais longa, a da Gameleira. A trilha revela uma mata linda e fechada, com árvores enormes e uma serra pilheira funda.
Mais ou menos na metade da trilha aparece uma belíssima e enorme sumaúma, com suas raízes firmes e que ao mesmo tempo dão a impressão de serem grandes mangueiras condutoras de água. E mais adiante surge ela, a gameleira. Não sabemos se é uma gameleira siamesa / gêmea ou se são duas. Fato que dois enormes troncos erguem-se desde lá embaixo quase paralelamente até lá no topo, é lindo de ver.
Logo após avistar as gameleiras gêmeas há uma figueira mata pau, cuja árvore que deu suporte está quase inteiramente decomposta, criando um vão onde antes havia uma árvore. Pura transformação de formas de vida que a natureza proporciona.
Trilha da Capelinha
Diz a lenda que um caçador se perdeu e fez uma promessa. Se conseguisse retornar ao ponto de origem, faria ali uma capela dedicada a São José da Mata. Foi assim que foi criada a Capelinha e uma romaria que anualmente (em agosto) reúne dezenas de pessoas caminhando até ela.
A Capelinha dista quase 20km da Transamazônica, há uma base intermediária para acampamento e recarga de água antes de chegar ao ponto final, onde também há uma estrutura para pernoitar em redes.
O grande atrativo desta trilha não é uma árvore ou o banho de rio, mas sim a caminhada e o pernoite dentro do parque. Nada é tão transformador quanto entrar na mata e saber que você sairá de lá no dia seguinte, tendo carregado tudo o que precisa para passar a noite e levando embora tudo o que sobrou de dejetos.
Caminhamos sem pressa com um grupo de servidores do ICMBio, agora amigos: Francisco, Helena e Lincoln. Ouvimos os sons, fizemos nossa comida, acompanhamos a redução paulatina da luminosidade, a mudança dos sons “do dia” para os sons “da noite”, aproveitamos o tempo sem qualquer poluição luminosa e sem 4G ou wifi.
Esta certamente não é a trilha que vai atrair mais visitantes. Mas, assim como nós, há muitas pessoas que buscam conexões como esta com a natureza e com os outros, o que este parque proporciona muito bem.
No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima: