O parque nacional de Boa Nova tem uma história bem interessante até chegar ao que é hoje. No ano 1817 um príncipe de um dos reinos do que é hoje a Alemanha foi até a região. Ele era um naturalista, estudou a fauna e catalogou muitas aves na região. Paralelo a isso, conta uma lenda que um fazendeiro deixou um tesouro enterrado com um enigma para seu filho: “Do cemitério à passagem, nem prá lá, nem prá cá, pedra de norte ao sul ao longe me verá”.
Eis que o tal tesouro nunca foi encontrado e diversos estrangeiros em busca de fotos de aves começaram a frequentar a cidade. Saindo bem cedo para avisá-las e sem muita comunicação pelo idioma, a população local acreditava que trava-se de caçadores de tesouro.
Somente quando a região chamou a atenção da mídia e sua riqueza em termos de biodiversidade apareceu no Jornal Nacional que os esforços pela conservação se concretizaram. Pudera, há ali mais de 428 espécies catalogadas de aves, algumas delas endêmicas da região, como o gravatazeiro, que não tivemos a sorte de avistar. Ou avistamos sem saber…
O Parque Nacional foi criado em 2010 junto com um Refúgio de Vida Silvestre com o mesmo nome. Ambos são Unidades de Conservação de Proteção Integral que permitem uso público (ecoturismo de forma ordenada), mas que têm objetivos e formatos diferentes.
A área do parque não foi ainda regularizada fundiariamente, portanto pertence a particulares. Os particulares não impedem a passagem e tampouco cobram por ela. É difícil saber quando você está no Parque Nacional, no Refúgio de Vida Silvestre ou no entorno.
Fato que esta é uma região única em termos de transição. De um lado a Mata Atlântica, do outro a Caatinga. No meio disso tudo a Mata de Cipó, uma mata de transição. Pode estar chovendo e frio de um lado ao mesmo tempo que do outro lado está sol, seco e calor.
Um parque onde você pode amanhecer na mata observando aves, se esbaldar nas cachoeiras e depois curtir um belo pôr do sol na caatinga.
É muito difícil “categorizar” este parque em regiões. O mapa é todo entre cortado, não há um nome oficial ou mesmo extra-oficial para cada microrregião, os atrativos estão todos espalhados. É possível separar entre Mirantes, Cachoeiras, Banho de Floresta e Observação de Aves, mas há sempre alguma sobreposição.
Há três principais Mirantes no parque: um na Mata Atlântica e dois na Caatinga
O ponto mais alto do parque fica no Morro do Inglês. Chegar até lá não é difícil, há uma trilha bem marcada. A dica que damos é: não subestime o frio da Bahia! A região é alta, a vegetação original que sobrou assemelha-se àquela do Parque Nacional de São Joaquim, e faz frio no final do dia. Fica mais ou menos no centro do parque.
Fomos no final do dia, quando o sol iluminava a parte da Mata Atlântica e seu mar de morros, mas ofuscava a parte da Caatinga. Uma bela vista que nos permite observar ou tentar observar o que é a diferença entre o Parque Nacional, teoricamente onde a mata está mais protegida, e o Refúgio de Vida Silvestre, onde está mais mexido. Na prática, não dá para notar uma “linha”.
Um dos pontos que mais nos encantou foi o Mirante da Pedra da Janela. Fica no extremo oeste do parque e dá vista para a imensidão da Caatinga. Ali caminhamos entre a mata de cipó e chegamos a um lajedo cheio de bromélias, cactus, orquídeas e palmeiras sertanejas, ou licuri.
O licuri é um coquinho delicioso que só existe na caatinga e corre risco de extinção. Junto dele, os animais que se alimentam dele, como a arara azul, sofrem ameaças por perda de habitat e de comida, somando mais uma ameaça à da captura.
Voltando ao “lado bom”, o Mirante é um daqueles lugares para deitar na pedra, observar os beija flores se alimentando nas flores dos cactus, se admirar com a beleza das cores.
O último mirante na Caatinga não é propriamente um mirante, mas um passeio que leva a belas vistas. O Pé da Ladeira é um caminho que passa pela mata de cipó, depois por mandacarus centenários, passa por uma área ao lado de um rio e termina em um umbuzeiro símbolo da caatinga.
Fomos na época seca, mas o curso do rio, que estava seco, não se escondia. Um verde intenso no meio de uma mata já seca e branca. Ficamos imaginando como seria tudo verdinho, mas somente quem mora lá ou visita com tanta frequência para conseguir observar toda a beleza, uma em cada estação do ano.
Há mais de 30 cachoeiras catalogadas no parque, nem todas são visitadas
Do lado da Mata Atlântica há dezenas de cachoeiras. A Sete de Setembro é a mais conhecida por ser a mais alta. O pessoal local acha que o poço não é grande o suficiente para banho. Mas eles não foram criados em São Paulo, onde não temos cachoeiras assim, então são mais seletivos.
Falta ali um ponto com sombra para poder passar o dia todo e não tornar a cachoeira apenas um ponto de passagem e selfie. Afinal, ali ocorre um balé dos urubus e das andorinhas, que se aproximam da queda d’água para se refrescar e se alimentar.
Os Caldeirões do Rio do Chumbo ficam numa região próxima e sua visita pode ser combinada no dia de visitar a Sete de Setembro. Ali há uma série de quedas d’água com mais sombra para ficar o dia inteiro.
A cachoeira Pirabanha praticamente não é visitada, pois o acesso de carro não é tão aberto. As samambaias chamadas “feto” nascem rapidamente de ambos os lados da estrada, praticamente fechando o acesso.
O feto, apesar de ser uma planta nativa da Mata Atlântica, encontra em locais degradados condições perfeitas para se alastrar. O que parece bonito é um risco grande, tanto porque incêndios se alastram com muita facilidade nessa vegetação quanto por abafarem o crescimento de outras espécies.
Os brigadistas atuam arduamente na abertura de caminhos para que possam acessar o parque no caso de incêndios. Mas a velocidade de crescimento do feto sempre ultrapassa a capacidade de retirada.
As cachoeiras mais visitadas para banho curiosamente ficam fora da área do Parque Nacional e do Refúgio de Vida Silvestre. Olendino e Roseno são fazendas de frutas (principalmente cacau) por onde passa um belo e caudaloso rio e suas duas cachoeiras. Ali sim, os poços são gigantes, há espaço para ficar por horas, sombra, sol, vista, água fresca.
Em meio a tantas vistas e cachoeiras, e o banho de floresta?
O turismo na região não é muito de trilhas, exceto alguns observadores de aves. Por isso, na região não há muitas trilhas autoguiadas demarcadas. Seguimos a dica de um professor que fez parte da criação do parque e fomos caminhar morro acima numa mata fechada no centro do parque.
A trilha não tem nome, mas fica próxima à estrada da Farinha. O que nos surpreendeu ali não foi a mata em si, mas os diferentes cantos de aves que ouvimos. Somos longe de especialistas, reconhecemos poucas espécies de aves.
Mas os cantos, assim que saiu o sol, eram tão diferentes do que já havíamos ouvido, que nos sentimos caminhando num outro bioma. Não sabíamos e não saberemos reconhecer as aves que ouvimos.
Mas não nos envergonhamos por isso. Curtimos, e muito! Não precisa ser especialista para se maravilhar com o novo.
Observação de aves
Há um local específico para observação de aves, o Lajedo dos Beija-Flores. Fica na área do Parque Nacional, ainda não indenizada, por isso a cobrança de ingressos é permitida.
Para nós leigos, o preço do ingresso é muito alto, R$300. Decidimos não ir porque não aproveitaríamos. Também porque queríamos ver as aves no ambiente natural, e o Mirante da Pedra da Janela nos permitia isso.
Não condenamos a prática, tem o seu valor atrair aves para que os observadores tenham um local para fotografá-las sem se embrenhar no mato. Importante respeitar o meio ambiente sem alterações e contratar pessoal local. Após a fundação desse local, 19 das 24 espécies de beija flores foram avistadas no local. Se você for fanático por aves, provavelmente já terá ouvido falar do Lajedo.
E quem vai a esse parque?
Em sua maioria, o público vem de Vitória da Conquista para finais de semana e banhos de cachoeiras. Estrangeiros para observação de aves. Há uma infraestrutura turística razoável, incluindo hotéis e guias bem qualificados (para cachoeiras e para observação de aves). A cidade é bem arborizada e o turismo está trazendo mais opções de hospedagem e alimentação.
No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:
Com certa regularidade venho acompanhando o desafiador, maravilhoso, educador e fantástico trabalho de vocês.
Em 2007, imprimi em uma edição única, o livro de fotografias, Doces Águas da Bahia, depois de uma jornada de 2 anos, e ter rodado quase 90.000km por todas as bacias hídricas da Bahia. Imagino o tremendo e gostoso esforço que vocês estão empreendendo para deixar esse fabulosa memória de parte tão fundamental do nosso Brasil, assim, sinto-me à vontade, para parabenizar-los, agradece-los, deixando aqui, meu incentivo. Resiliência, coragem, persistência, saude e um forte abraço é o que desejo a vocês dois, Letícia e Deni.
Uau, Gilberto, vamos procurar o livro. Você bem sabe que não é nada fácil, mas é uma delícia! Abraços