A bacia do São Francisco ocupa 8% do território nacional, em Minas Gerais diversas Unidades de Conservação fazem parte dela. O rio Peruaçu não é diferente, ele é um afluente do Velho Chico.

Aqui há um mosaico de Unidades de Conservação, Sertão Veredas Peruaçu, que inclui dois parques nacionais, Cavernas do Peruaçu e Grande Sertão Veredas. Se for visitar um, não deixe de visitar o outro. São imensos e belos, com características e belezas bastante diferentes e complementares.

Poderíamos dizer que o parque é quase um “queijo suíço”, mas como estamos em Minas Gerais, famosa pelo queijo, podemos dizer que é um “queijo mineiro”, todo furadinho. Tudo gira em torno do rio, que às vezes está ao seu lado, outras vezes some. Em alguns pontos o teto já caiu, em outras ele segue lá, em cavernas, lapas ou grutas.

Fato que o rio é o grande responsável por isso tudo que vemos, por uma mudança constante imperceptível aos nossos olhos.

Neste parque não podemos nos banhar no rio Peruaçu, pela importância que ele tem em continuar escavando as cavernas. Qualquer interferência humana pode gerar impactos em estruturas geológicas que seguem vivas, mas em outro tempo: centenas de milhares e milhões de anos.

Este foi um dos parques com melhor infra-estrutura turística que já visitamos. Graças aos recursos de um termo de ajuste de conduta (similar a uma multa) de uma grande empresa que tem uma fábrica no estado de Minas Gerais, geridos pelo ICMBio em conjunto com o Instituto Ekos Brasil, foi desenvolvido um plano de manejo, um plano de uso público e posteriormente abertas estradas, trilhas e um centro de visitantes.

Aqui o grande atrativo não está somente nas cavernas, o que já seria suficiente, mas também nas pinturas rupestres da tradição São Francisco que vemos aqui. Há oito tradições mapeadas, esta com uma combinação de cores vivas e geometrias.

Este é um parque que te convida a ficar em silêncio e a experimentar a ausência de luz, a se conectar profundamente consigo mesmo. E tem a arte feita pela natureza, sem intervenção humana, os espeleotemas: estalactites, estalagmites, escorrimentos, flores. As cores, formatos, texturas (não pode tocar, hein?) são incríveis. Há inclusive formas que desafiam a gravidade, crescendo para cima!

O parque tem cinco principais roteiros, dispostos em três principais entradas

Na parte sul, onde está o centro de visitantes está o acesso para a Lapa do Rezar

O centro de visitantes já te dá a boas vindas com um filme e um mapa enorme dos atrativos do parque. Além disso, ali é possível conversar com o pessoal do Instituto Ekos Brasil, que vende diversos produtos/souvenirs do parque. A renda é revertida/doada para iniciativas dentro do parque, incluindo abertura e manutenção de trilhas, bem como divulgação de pesquisa científica.

As indicações para a trilha da Lapa do Rezar assustam: lá diz que são 500 degraus, indicada como “pesada”e 2,4 km ida e volta. Mas não se assuste: as trilhas são muito bem feitas, os degraus são baixos e largos. E, se for difícil, é só ir devagar. Porque vale a pena!

Esse local antigamente era usado em uma romaria, por isso o nome. Além das pinturas rupestres que te recebem nos paredões da entrada, também há uma enorme lapa com uma trilha que aos poucos vai recebendo menos luz externa, mas nunca totalmente no escuro.

A melhor sensação é apagar as luzes e aguardar os olhos se acostumarem até começar a enxergar novamente os detalhes, as texturas no escuro.

Na parte central estão os Arcos do André, a Gruta do Janelão e as Lapas do Índio, Bonita, do Boquête e dos Desenhos

Para chegar aos Arcos do André é necessário percorrer o início da trilha que vai para a Lapa do Boquête, dali são mais 8km circulares. Esta é a trilha mais longa e recente do parque, construída pelos brigadistas.

A caminhada vai até o topo do morro onde está o Mirante do Mundo Todo, de onde conseguimos entender que o rio foi escavando as cavernas e diversos pontos delas já cederam, criando vales ou canions.

Uma bela vista de uma floresta, que é secundária (já teve interferência humana no passado), mas que mostra-se exuberante e alta, pouco vista em outros parques do Cerrado. É chamada de Mata Seca.

Os Arcos do André são tão enormes que é difícil ter a dimensão deles de fora. Ao entrar, você desce, ainda acima do leito do rio Peruaçu, que aqui está em um sumidouro, o ângulo do pescoço para cima não é suficiente para ver tudo, o ideal é deitar em uma das pedras.

Na saída, quando achamos que íamos já direto para a trilha, ainda passamos por duas lapas, do Cascudo e dos Troncos, sempre beirando o rio Peruaçu, às vezes atravessando. Aquele silêncio de caverna com o eco dos nossos passos, aquela luminosidade de fora penetrando cada minuto de um jeito e ângulo diferente.

A Gruta do Janelão é um dos atrativos mais falados do parque, por conta da Perna de Bailarina, a maior estalactite do mundo, com 28 metros de altura. Para que ela tenha se formado, foram mais de 300 mil anos em uma caverna com mais de 100 metros de altura. Nos sentimos mínimos diante dessa grandiosidade e tempo.

A profundidade da Gruta do Janelão é impressionante. Como há três clarabóias ao longo da trilha, a incidência da luz é sempre diferente entre elas, causando um efeito incrível e belo.

Logo no início, um resquício de mata atlântica. Como assim? Bem, há milhares de anos, quando o teto da caverna desabou parcialmente, caiu junto com espécies desse bioma, que continuaram a crescer dentro da caverna enquanto a flora no que restou no topo da caverna mudava para o cerrado.

O rio aqui caudaloso e barulhento vai não só nos encantando, mas criando reflexos com a luz do sol que incide. Formações de todos os tipos e tamanhos, moldadas pelo calcário que lentamente pinga do teto e em alguns lugares de forma tão sutil, que parecem um veludo em cima de uma rocha.

Lá no fundo fica a famosa Perna da Bailarina. Linda, enorme, imponente, importante. Mas não chega a roubar a cena. Dá vontade de voltar lá e passar o dia inteiro em cada pedacinho, só observando como aquilo se transforma com o sol incidindo em ângulos diferentes.

O percurso das Lapas do Índio, Bonita, Boquête e Desenhos pode ser feito em um dia. Na Lapa Bonita podem entrar somente 5 pessoas por vez, de forma a proteger as delicadas formações de uma caverna ainda viva. Ali é possível apagar as luzes e ficar em um local de completa escuridão.

Não há nenhuma luz mínima penetrando, por mais que esperemos nossos olhos se acostumarem, não conseguimos ver nada. Estar ali é uma experiência fora do comum, que não conseguimos repetir em outros locais fora de cavernas”afóticas”. No momento em que você pensa registrar aquele momento, seja falando ou fotografando, a experiência acaba.

Algumas pinturas, como na Lapa dos Desenhos, estão dispostas verticalmente nos paredões, e nos perguntamos: como e por quê? Os pesquisadores acreditam que haviam árvores altas próximas aos paredões, usadas pelos paleoíndios para subir e desenhar. Aqui está o painel com a maior concentração de pinturas rupestres em um só lugar: 3 mil pinturas.

Mais ao norte fica a entrada para as Lapas do Caboclo e do Carlúcio

O circuito das Lapas do Caboclo e do Carlúcio é a mais curta, passando pelo belos mirantes dos Cactos e da Mata Seca. Uma profusão de pinturas rupestres na beira de cavernas, indicando onde o homem pré histórico gostava de viver, protegido do sol e de olho nos potenciais inimigos, sem dar as costas a eles.

As pinturas rupestres são sempre uma incógnita: por que foram feitas, o que representavam, em que ordem foram feitas? Mas parte da beleza é não saber, é imaginar, especular, se conectar e se transportar no tempo.

Os mirantes revelam a biodiversidade: cactos, bromélias e barrigudas, cada uma com uma diferente adaptação para ambientes secos. Os cactos evitam a evapotransipiração, as bromélias retêm água entre suas folhas e as barrigudas reservam água em seus tecidos internos. Além de importantes e bem adaptadas, são todas lindas.

No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:

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