Prepare-se para este post. Há muito o que fazer na Chapada dos Veadeiros, dentro e fora do parque nacional. Se for para lá, não fique preocupado no que você vai deixar de fazer, valorize o que você vai ver, tome seu tempo para apreciar e aprender o que esse lugar nos ensina sobre o meio-ambiente.

Antes de tudo, vamos separar o parque do que é chamado de Chapada dos Veadeiros, que vai além dos limites do mesmo. Vamos começar falando do parque. Mais adiante falaremos de alguns atrativos fora do parque.

Pode parecer presunçoso ou ingênuo chamar o parque de “modelo”, como se não houvesse nada a acrescentar ou melhorar. Pois é, pensamos bastante a respeito e vamos explicar os motivos. Modelo no sentido de exemplo a ser seguido, que gostaríamos de ver parques caminhando na direção do que vimos na Chapada dos Veadeiros. Mas sabendo que existem pontos que podem ser feitos ainda melhor. O diálogo entre o parque e a sociedade para essas melhorias também é um modelo.

A vista durante o nascer do sol a partir do mirante da janela, de onde se avista o rio Preto e suas duas quedas, que ficam dentro do parque nacional

Os pontos que achamos que outros parques podem usar como modelo:

  • O primeiro contato com o parque, na busca de informações e compra de ingressos, é boa e funciona bem, dá vontade de conhecer (https://www.icmbio.gov.br/parnachapadadosveadeiros/guia-do-visitante.html)
  • Ao chegar ao parque, além de ter um bom acesso com estacionamento (pagamos R$15), você recebe orientações sobre o parque em geral e sobre cada atrativo, com vídeos e uma equipe qualificada e conhecedora do parque; mesmo nós, que fazemos trilha todos os dias, aprendemos com as orientações, extremamente didáticas e práticas
  • Na sede do parque há uma infraestrutura de banheiros, wi-fi, café e loja (de protetor solar a souvenir)
  • A equipe é bastante qualificada e solícita para fornecer informações
  • Todas as trilhas do parque são auto guiadas: você pode contratar um guia, mas pode fazer sozinho se preferir
  • Na travessia, também auto-guiada, há um espaço próprio para camping e um banheiro seco (não precisa levar shit tube ou pá se não tiver ou não quiser)
  • O parque conta com uma julietti (https://montanhaparatodos.com.br/onde-tem-julietti/) e com vans para levar ou buscar até bem próximo dos atrativos, o que permite que pessoas com restrições de mobilidade possam ter acesso
  • Há uma Associação de Amigos (https://www.ave.org.br/), uma organização da sociedade civil, que tem papel ativo e fundamental em fomentar discussões para contribuir com o desenvolvimento e conservação da região, incluindo o parque
  • A natureza está bem conservada e as trilhas permitem que os rios e montanhas sejam vistos de diferentes pontos de vista

O parque foi recentemente expandido de 65 mil para 241 mil hectares (sendo que originalmente a área era de 650 mil hectares), alguns atrativos da área do parque ainda não têm acesso público, trilhas estão sendo abertas (https://www.icmbio.gov.br/parnachapadadosveadeiros/). Vimos o trabalho de melhoria sendo feito diariamente entre a Associação dos Amigos de Veadeiros e o ICMBio junto e adicionalmente ao trabalho feito pela concessionária.

O parque, apesar de estabelecido, sofre constantes ameaças de ter sua área reduzida

A parte que não é um modelo está fora dos limites do parque e na dicotomia entre os ecoturistas e os turistas de resultado. Nunca havíamos ouvido esse termo “turistas de resultado”, há muita gente que vai até o parque e atrativos do entorno tirar uma foto influenciado por alguém que já havia feito. Se por um lado isso é neutro (não incomoda ninguém) ou positivo (leva dinheiro e visibilidade para o local), pode também ser negativo, dando ênfase ao curto prazo, com potenciais consequências futuras.

Prepare o bolso, há cachoeiras que chegam a custar mais de R$200; o acesso ao parque é mais em conta – R$18 para brasileiros – e vale muito à pena!

As cidades do entorno do parque são pequenas e têm infra-estrutura limitada para crescimento. À medida que mais pessoas visitam, há o risco de que o volume passe dos limites e a infra-estrutura deixe de ser suficiente e não cresça na medida necessária.

A região observou um aumento expressivo em preços, inclusive de imóveis e acessos a atrativos, que dificulta a manutenção das comunidades locais, que podem não ter recursos para manter-se nessas cidades, levando consigo a história e cultura. Não há benefício sem custo, mas é importante olhar o custo antes que possa ser tarde demais.

O que fazer e saber antes de ir à Chapada dos Veadeiros

  • Há uma única portaria oficial de acesso ao parque, fica na cidade de São Jorge, GO
  • O parque está concedido à Sociparques, que administra a venda de ingressos e infra-estrutura de visitação
  • banheiro, bebedouro, café e loja na sede
  • Os ingressos podem ser comprados por internet antes ou na bilheteria no local
  • O acesso é por estrada de terra a partir de São Jorge, mas não requer 4×4
  • Na maior parte das trilhas há sinal de 4G
  • atrativos em outras cidades, principalmente Alto Paraíso de Goiás e Cavalcante, mas ainda em consolidação e abertura de outras entradas e saídas
  • Todas as trilhas do parque são auto-guiadas, contratar um guia para agregar informações ao local é opcional
  • uma travessia (Sete Quedas) com pernoite não obrigatório, apesar de ser aconselhável (são 23km no total, ao fazer em um dia pode faltar tempo para aproveitar o atrativo principal)
  • A melhor época para ir é maio a agosto, quando a temperatura é alta, o clima é seco e ainda há água abundante na maior parte das cachoeiras e rios; em maio há menos poeira e ainda não há fogo

De São Jorge fomos em três trilhas no parque e fechamos com o Mirante da Janela

Levamos quatro dias para conhecer os três principais atrativos do parque acessados por São Jorge: Trilha dos Saltos, Carrossel e Corredeiras; Trilha dos Cânions e Cariocas e Travessia das Sete Quedas. As duas primeiras são trilhas de um dia inteiro (dá para correr e fazer mais rápido, mas daí não dá para curtir), a última recomendamos pernoite.

A Trilha dos Saltos, Carrossel e Corredeiras têm algumas descidas e subidas mais íngremes, mas a maior parte é plana. Além disso, é possível contratar um serviço de van para ir ou voltar dos atrativos (precisa andar só um pouco). São dois saltos dignos de cartões postais. No salto de 120 metros não é permitido entrar, mas a vista já é suficientemente bonita para valer a pena.

O salto de 80 metros fica um pouco acima e tem um poço excelente para banho, apesar de não ser permitido entrar embaixo da queda, pois é muito forte e pode provocar afogamentos. Nas orientações antes da visita os limites ficam muito claros.

O Cerrado é muito exuberante, as canelas de ema com flor deram um toque especial

Passada a vontade de ter uma vista linda e de se banhar num poço cartão postal, você tem a oportunidade de entrar nas corredeiras, onde dá para receber massagem da água. O carrossel fica aberto somente na época seca e tem corredeiras ainda mais fortes. Foi um dia inteiro para aproveitar não somente os lugares, mas a paz que eles nos fornecem.

São bons lugares para leitura, para descansar ou mesmo para apreciar a natureza. Se soubéssemos antes, teríamos feito a trilha ao contrário, começando pelas corredeiras. Por um lado a maior subida ficaria para o final, por outro pegaríamos o poço do salto 80 metros mais vazio e o pôr do sol no salto 120 metros. Razões para voltar não faltam.

A Trilha dos Cânions e Cariocas começa no mesmo caminho da anterior, bifurca uns 2km adiante. Os cânions, assim como os saltos, são lindos de apreciar, mas muito fortes para entrar e se banhar, apesar que no final deles há um poço enorme. Cariocas é um local para passar o dia inteiro entrando na água, tomando sol, explorando as pedras e praias de areia. Os peixes chamados lambaris ou piabas estavam sempre presentes e nos beliscando procurando comida sempre que entrávamos na água. Logo desistem.

Para onde você olha, parece um cartão postal

A Travessia das Sete Quedas começa com uma trilha de 17km praticamente plana, cruzando o Rio Preto no Poço da Capivara. No dia em que fomos, apesar do sol, havia muito vento, então foi bem tranquilo. Ao chegar ao local do acampamento por volta das 14h30 (saímos às 7h30), avistamos a beleza e imponência das Sete Quedas. É uma sucessão de quedas que compõem o cenário de cerrado de forma magnífica.

O local de acampamento é bem demarcado e há um banheiro seco, que funciona com serragem, a 100 metros. Além da vista das estrelas, que na época seca e com lua nova foi completa, passar a noite num lugar como esses não tem preço.

No segundo dia andamos 6km. Havia mais subida entre rochas que pareciam esculpidas para passarmos. Já nos últimos 3km a trilha fica plana e com vista para o Morro da Baleia e os Jardins de Maytrea, com seus inúmeros buritizais. A posição da trilha é perfeita para admirar essas belezas até o final.

Fomos até o Mirante da Janela conferir a vista disso tudo!

Todos esses atrativos ficam ao longo do Rio Preto. E do Mirante da Janela você pode ver de longe essa geografia. Optamos por ir de madrugada para ver o nascer do sol de lá. E acertamos. Ao chegar ao local de onde se avistam os saltos há uma arquibancada em madeira e não se via nada além de bilhões de estrelas. À medida que o sol vai nascendo, as formações rochosas vão tomando forma e os saltos começam a aparecer.

Ficamos umas 4 horas apreciando a vista para todos os lados e com diferentes entonações de sol até que fomos até a “janela”. Trata-se de um triângulo formado por pedras de onde se vêem perfeitamente as quedas e o rio Preto. Uma vista de tirar o fôlego, parece que as pedras foram colocadas propositalmente para isso.

De Alto Paraíso fomos a dois atrativos na área do parque (Macacão e Simão Correia) e um fora (Dragão)

Perto de Alto Paraíso visitamos três complexos: Macacão, Simão Correia e Dragão. Não há como comparar um com o outro, vamos tentar descrever um pouco do que vimos e sentimos. Os dois primeiros estão na área do parque, mas o acesso é feito por propriedades privadas, cobrado separadamente. Não há uma portaria de acesso e infra-estrutura do parque nesses atrativos.

O complexo do Macacão fica a umas 2 horas off-road a partir de Alto Paraíso

Na propriedade de um angolano que mora há décadas no Brasil há uma estrutura para pernoite com ocas, deu vontade de ficar por lá. As estradas e trilhas foram abertas, segundo o proprietário do acesso, sem derrubar uma única árvore, contornando todas elas. O que se vê no Rio Macacão são praias, cânions e cachoeiras, uma delas a da Catedral, com uma imponência na queda. Vale a pena ir na cachoeira de manhã, quando há mais sol, e ir voltando aos poucos à tarde. Guia é obrigatório e é cobrada entrada (R$40).

O complexo de Simão Correia tem um acesso mais fácil e uma trilha mais longa (6km) mas fácil de percorrer, há que cruzar um rio bem no início com água na altura da canela. A trilha sobe ao longo do rio já formando cachoeiras e poços belíssimos. Mas, novamente, é uma cachoeira com sol de manhã, então é melhor ir direto nela, voltando e aproveitando o restante depois. Ali vimos a água esverdeada por primeira vez na Chapada. A mata ciliar da trilha é bem exuberante e permite observar um cerrado diferente. Não é obrigatório guia, mas é cobrada entrada (pagamos R$40).

O Dragão é uma experiência

O acesso é o mesmo até a cachoeira de Macaquinhos, mas segue um pouco adiante e requer um carro 4×4. Depois de uma íngreme descida de 2km chegamos ao local onde recebemos colete salva-vidas e capacete obrigatórios. Na cidade havíamos alugado um traje de neoprene por conta da água fria. Acabou sendo bem necessário.

A trilha começa entre pedras até que entramos na água. No início refrescante, pois fazia muito calor. Aos poucos a mata vai ficando menos presente e o vale dá lugar a um cânion de pedras altíssimas, quando a cor da água muda e fica mais esverdeada, até dourada com o reflexo do sol. Seguimos nadando (o colete salva-vidas atrapalha para nadar, mas ajuda na flutuação) até chegar a um local com três quedas belíssimas: uma mais dispersa, que parece uma chuva forte, outra mais concentrada e forte, e uma terceira, no fundo, com água quente! Sim, não foi erro de digitação!

Do fundo do Dragão há uma cachoeira com água mais quente, é quase uma piscina de onde dá para apreciar todo o resto

Depois de nadar ao longo do cânion e chegar até duas cachoeiras maravilhosas e enormes no mesmo local, há ainda uma queda d’água menor com água quente para recarregar as energias. Como se não bastasse de surpresas, uma revoada de andorinhões deu um show por mais de uma hora em que estivemos lá. Saindo do complexo, na volta para o carro ainda tivemos a sorte de ver cinco urubus-rei voando, procurando uma corrente. Magnífico, nunca havíamos visto sequer um!

Foi em Cavalcante que a região nasceu pelo ouro, foi lá que terminamos nossa visita

Fomos a Cavalcante inicialmente para visitar atrativos fora do parque (Prata e Canjica), uma vez que os atrativos da área do parque ainda estão com acesso em negociação para abertura, principalmente a cacheira Santana e a Ponte de Pedra. No primeiro o acesso estava proibido, mas soubemos que podíamos visitar a Ponte de Pedra, uma belíssima formação que dá vontade de sabermos mais sobre geologia.

Além de ser um “furo na rocha provocado pela ação da água”, chama a atenção o fato de que as placas estão dispostas na vertical e não na horizontal. Isso nos leva a pensar que a terra moveu-se de tal forma a girar as placas antes que as mesmas fossem perfuradas pela água. O caminho até a ponte de pedra é curto e fácil, com uma subida de 750 metros com sombra. A mata, apesar de ser cerrado, é diferente das anteriores, só vamos agregando conhecimento e vivência. Muitas árvores estão identificadas e vimos que há uma boa conservação do lugar. Ficamos na torcida para que esse atrativo permita que o parque tenha um acesso por lá, unindo São Jorge a Cavalcante por uma trilha.

Faltou conhecer a maior comunidade quilombola do Brasil: Kalunga : (

Em Cavalcante há a maior comunidade quilombola do Brasil, onde costumes e histórias são bem preservados. Algumas comunidades ficaram isoladas até os anos 80, pois não tinham certeza de que a escravidão havia sido abolida. Uma pena termos perdido essa parte da cultura. Mais uma excelente razão para voltarmos!

Para finalizar, fomos conhecer as águas esverdeadas do Prata, Águas Lindas e Canjica. Como se não bastassem os rios e as cachoeiras, a mata e as pessoas eram incríveis. Começando pelo Prata, fomos visitar (e experimentar) uma sequência de três cachoeiras rio acima: Três Marias, Cortina e Esmeralda. Água transparente e com boa profundidade para mergulhar em algumas delas (recomendamos sempre muita cautela, confie muito no guia e certifique-se antes de mergulhar, a refração da água engana a vista).

Depois fomos para a cacheira Rei do Prata onde, além da cachoeira em si, chama a atenção a parede verde que a cerca. Ela foi feita pela melhor paisagista, a natureza.

Pernoitamos no Complexo do Prata, depois de um bom banho ao lado de um rio. Levamos nossa barraca, mas eles também têm chalés, alugam barracas e fornecem refeições, além de wi-fi, mesmo não tendo energia elétrica da rede, mas através de painéis solares.

Saímos cedo para o Complexo da Canjica, do sr. Altinho e dona Odete. Ele tem a propriedade há mais de 40 anos e somente recentemente visitou as maiores cachoeiras. Ela, mesmo morando lá há décadas, nunca visitou. Tentamos convencê-la, mas não foi desta vez. Ela tampouco topou sair em uma foto, apesar da luz estar especialmente bonita naquele dia, quando ela e o sr. Altinho estavam contando histórias ao lado do moedor manual de cana (eles ainda não têm energia elétrica, mesmo solar). Eles estão aos poucos desenvolvendo o turismo, até agora viviam exclusivamente da terra e da criação de animais.

Não tínhamos referências do Complexo do Canjica, propositalmente não vimos nenhuma foto antes de ir para ter a surpresa. Se quiser fazer como nós, pare de ler este post aqui, antes das fotos que mostraremos do Canjica. Começamos descendo o rio Águas Lindas e seus inúmeros poços e cânions de água transparente até chegar a uma queda enorme na beira da chapada com vista de borda infinita para o sertão do Tocantins. Fomos acompanhados pelo Rajado, um dos cachorros do casal, que tinha duas missões: nos acompanhar e ganhar lanche. Ele faz isso todos os dias com o primeiro grupo que visita, nesse dia éramos os únicos.

Depois de tudo isso ainda finalizamos o dia na cachoeira do Canjica, onde o sol bate à tarde e forma um arco íris. Ali também há uma gruta onde deve ser uma delícia pernoitar.

No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:

3 comentários em “Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros: o parque modelo

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