Os dicionários descrevem o termo ilha como “uma porção de terra cercada de água por todos os lados”, mas permite que metaforicamente possamos chamar de ilha algo isolado. É nesse sentido que o Parque Nacional das Emas, uma porção de Cerrado cercada por lavoura em todos os lados, é uma ilha.

Temos visto que os parques nacionais muitas vezes não têm uma zona de amortecimento (já falaremos disso), assim como Emas. Mas em Emas isso é ainda mais presente: estreitas estradas de terra com tráfego intenso de caminhões separam a monocultura de um parque nacional, onde convivem mais de 700 espécies diferentes.

Uma Zona de Amortecimento é “uma área estabelecida ao redor de uma unidade de conservação com o objetivo de filtrar os impactos negativos das atividades que ocorrem fora dela, como: ruídos, poluição, espécies invasoras e avanço da ocupação humana, especialmente nas unidades próximas a áreas intensamente ocupadas”. Fonte: O Eco (https://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28754-o-que-e-uma-zona-de-amortecimento/).

Sem uma zona de amortecimento, o calcário, despejado nas lavouras vizinhas para “corrigir” o solo ácido do Cerrado, naturalmente impróprio para monocultura de grãos e cana de açúcar, é dispersado no parque, neutralizando o solo, o que o torna impróprio para a vegetação original do Cerrado. Vegetação é perdida, insetos morrem, animais vertebrados deixam de ir até lá, gerando um ciclo de destruição de fora para dentro. O plano de manejo do parque prevê uma zona de amortecimento, mas a mesma não foi praticada.

Ao visitar o Parque Nacional das Emas, além de conhecer as belezas naturais, lembre de observar esse conflito e refletir o quanto cada um de nós é responsável por essa questão e o quanto nosso hábitos de consumo e investimento que incentivam, direta ou indiretamente, que as zonas de amortecimento não sejam implementadas.

O que saber e fazer antes de ir ao Parque Nacional das Emas

  • O parque conta com dois acessos: Bandeiras ao Sul, próximo de Chapadão do Céu GO, mais próximo da sede e do rio Formoso; Jacuba ao Noroeste, próximo de Mineiros GO
  • O acesso Sul é por estrada de terra (25km de Chapadão do Céu), o acesso nordeste é asfaltado
  • As estradas internas do parque são de terra, mas não exigem 4×4
  • O acesso ao parque é gratuito e permitido de terça a domingo das 8h às 17h (em caso de eventos específicos ou contratação de guia, é permitido visitar em outros horários
  • Em ambas portarias há um receptivo com banheiro e empréstimo de bicicletas; na portaria Bandeiras há um museu com fotos e espécies empalhadas para educação ambiental
  • Na sede há banheiros e um camping (em renovação), onde frequenta uma anta (chamada de Preciosa) que está sendo reinserida no ambiente natural
  • O parque é repleto de fauna: Muito difícil de ver: onça, tamanduá, tatu-canastra; Difícil de ver: lobo-guará, raposa, cachorro do mato, veado pantaneiro, queixada, jaratataca demais tatus; Fácil de ver: anta, corujas buraqueiras, emas, veados campeiros, araras, seriemas, gralhas, pica-paus, mutuns, carcará, lagarto teiú, cupins
  • Não há sinal de 4G no parque
  • Não há lanchonete, restaurante; água potável na sede
  • dois caminhos que podem ser feito auto-guiados próximos às portarias; os caminhos entre a sede e a portaria Jacuba requerem guias
  • O rio Formoso é raso, mas bastante corrente, é solicitado acompanhamento de guia para banho
  • O parque é pouco visitado, inclusive pela população do entorno, o que torna a visualização de animais mais fácil
  • O parque está em uma das áreas mais escuras do planeta, pela distância de grandes cidades, o que permite a visualização de astros e da bioluminescência do cerrado na época correta

Este parque não é definido pelos pontos de interesse, mas pela relação que você cria ao visitá-lo: de dia ou à noite, com mais ou menos tempo

Durante o dia o parque permite a observação das diferentes fitofisionomias do cerrado, das revoadas de pássaros, da fauna e dos milhões de cupinzeiros; além disso, as atividades aquáticas dão um refresco ao calor e permitem observar o parque em outra perspectiva.

À noite o parque permite realizar focagem de animais, observação de estrelas e bioluminescência do cerrado.

O que fazer no parque durante o dia: parte seca

Não é necessário contratar um guia para visitar o parque, há dois passeios auto-guiados, que podem ser percorridos em 1h ou em um dia inteiro. Nas entradas você pode pedir para mostrarem um mapa e colher uma cópia impressa para levar consigo. As estradas internas são boas e não há como se perder.

Como falamos, não há um lugar específico para visitar e ver fauna. O segredo é ir bem cedo, achar um bom lugar e ficar parado. De preferência de bicicleta ou, se for de carro, mantendo o motor desligado, levar um binóculos caso tenha. Este é um parque para sentir que a natureza é viva, ela circula, ela domina, ela nos surpreende, mas tem uma ordem própria. Os mamíferos sabem onde está a água e a fonte de comida, eles não precisam aprender todos os dias. As aves sabem onde ficar em cada momento do dia, elas seguirão um percurso mais ou menos parecido todos os dias. Observando, nós aprendemos com eles.

Um “bom lugar” para observar animais varia de acordo com o animal que você quer ver: buritis são ideais para ver araras; campos mais limpos para ver emas e veados campeiros; os brotos do aceiro atraem os maiores mamíferos cedo ou no final do dia, as corujas buraqueiras vivem próximo aos cupinzeiros e aparecem o dia todo

locais específicos para ver diferentes fitofisionomias do Cerrado: campo limpo, campo sujo, campo cerrado, mata seca e suas transições. O campo sujo, para quem não conhece, não é sujo de lixo, mas com um misto de vegetação mais rasteira / capim e árvores de pequeno porte. No campo limpo concentram-se os cupinzeiros e é mais fácil observar a movimentação de veados campeiros e emas, mas não é só lá por onde eles passam. Na mata seca as árvores são mais altas e a trilha mais sombreada (cuidado com a época de carrapatos entre maio e setembro nessa trilha!).

A mata seca fica ao norte do parque; mas foi lá onde os carrapatos não nos deixaram seguir adiante

Ao longo da trilha que vai da sede ao campo limpo, onde está a “cidade de cupinzeiros” é possível avistar o córrego Buriti Torto, cercado de buritis em uma linha até desaguar no Rio Formoso. Convém parar e apreciar esse local.

E sim, é muito legal ver os cupinzeiros também de dia, entender as relações entre eles e a flora, a fauna, a bioluminescência que ocorre à noite

Caso você opte por um passeio guiado, o que te dará um detalhamento da fauna, flora, ambiente no qual o parque está inserido, há dois formatos: contratar um guia particular ou fazer um safari diurno.

A lista de guias particulares está afixada nas entradas do parque, mas o perfil @parquenacionaldasemasinfo pode te dar informações prévias à chegada, dado que os guias não ficam no parque esperando turistas e você pode acabar chegando e não encontrando nenhum guia. O guia particular vai seguir o seu ritmo, fazer paradas em locais que ele conhece melhor, ajudar a apontar relações e animais. Não há unanimidade: é legal interpretar a natureza sozinho e é legal ter alguém que te ajude a interpretá-la.

Não deixe de ir caso não queira ou não possa pagar por um guia. As equipes nas portarias podem orientá-lo sobre locais e animais, esse não pode ser o motivo para não visitar esse belo parque.

O safari é diferente do feito na África, nossos animais são mais noturnos e menores; essas características só agregam na vivência neste parque

O safari diurno, em nossa opinião, não vale tanto a pena quanto um guia particular. O carro é bacana, permite uma visão de cima, mas mais corrida, com menor customização em termos de trajetos e horários. O meio do dia é muito quente tanto para os animais que queremos ver quanto para nós mesmos. Vale usar o horário entre 10h e 16h para descansar ou realizar atividades aquáticas.

O que fazer no parque durante o dia: Rio Formoso

O Rio Formoso pertence a bacia hidrográfica do Araguaia-Tocantins, ou seja, deságua na Amazônia! O rio fica próximo à sede do parque (mais ao sul) e permite atividades como bóia-cross, flutuação e passeio de bote. Entrar no rio sem guia não é permitido, infelizmente.

O rio é transparente e tem uma vegetação alta no fundo. Não chega a ser caudaloso, pelo menos na época mais seca em que fomos, mas é necessária atenção pela correnteza.

O que fazer no parque à noite

À noite o parque se transforma radicalmente: animais, astros e bioluminescência.

Por estar distante de grandes cidades, o parque é extremamente escuro e permite uma observação de astros com muita clareza. Há inclusive cursos ministrados no parque para observação, vale conferir a programação antes de ir. O parque tem uma torre de observação, que foi recentemente renovada e permite que seja apreciado o nascer e o pôr do sol de lá. Temos cada vez procurado entender mais sobre os astros, mas agora não entendemos por que viajamos tão longe (ex Atacama) para ver o céu quando aqui ele é tão belo e fácil de ver.

Por ser um lugar tão escuro e ilhado, os animais utilizam a proteção extra da escuridão para se alimentar e percorrer o parque. Apesar da ameaça de caçadores no entorno, evidenciada pela redução drástica de algumas espécies, os animais se deixam observar. À noite os olhos brilham contra focos de luz, por isso a focagem noturna é mais indicada para encontrá-los nesse período. Vale cuidado com insetos, cobras e sapos ao caminhar à noite pelo parque.

A época da bioluminescência pode variar conforme as chuvas, mas tende a se concentrar em outubro e novembro, nas noites de lua nova

E, se você for na “época certa”, você verá a bioluminescência do cerrado. As larvas de vaga lumes se alimentam das aleluias, ou cupins alados, que “afloram”quando está muito quente e úmido. É nesse período que nascem e voam para encontrar parceiros e iniciar novos cupinzeiros. As larvas de vaga lumes então se aproveitam desse período e se iluminam para atrair e se alimentar desses insetos. Para isso, os vaga lumes colocam seus ovos aos pés dos cupinzeiros, que vão, com base na umidade, se desenvolvendo e subindo até se tornarem vaga lumes. Durante o desenvolvimento, as larvas então se iluminam. A luz atrai as aleluias e os vaga lumes se alimentam.

O fenômeno é chamado de bioluminescência do cerrado e ocorre somente nesse parque nacional. Há alguns anos, pessoas que passavam à noite nas estradas ao lado do parque desconheciam esse fenômeno e acreditavam que havia algo sobrenatural ocorrendo nesse parque.

Quando você observa a bioluminescência, a sua cabeça se confunde e você já não sabe onde começam as estrelas e terminam os cupinzeiros. Os olhos levam um tempo para se acostumar à escuridão, o que causa um efeito de parecer que os cupinzeiros vão se iluminando cada vez mais enquanto você os observa.

No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:

3 comentários em “Parque Nacional das Emas: o parque ilha

  1. José Lauro Magalhães says:

    Lindo um ótimo registro desta região na qual um visita seria uma forma de senti-la em todo o seu esplendor junto a mãe natureza ..

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *