Este não foi um parque cujas informações foram fáceis de encontrar e aos poucos fomos entendendo os motivos. Trata-se de um ambiente bastante frágil que requer infraestrutura e um bom ordenamento para permitir visitação do público. Afinal, estamos falando de cavernas, cuja visitação é bem diferente de uma área de floresta, por exemplo. Esse processo está em andamento.

Atualmente, o Parque Nacional da Furna Feia permite turismo pedagógico e pesquisa científica

O parque ainda não conta com uma estrutura para receber turistas. Trata-se de uma estrutura bastante frágil que requer cuidados antes de abrir para visitação. Além de ser perigoso andar em cavernas por risco de bater a cabeça ou queda em buracos, o solo é frágil e pode ser facilmente danificado se a trilha demarcada não for seguida.

Entrar em cavernas é sempre interessante. Você coloca capacete, lanterna de cabeça e espera muita escuridão e silêncio. Aqui encontramos algo bem diferente. As claraboias tornam essa visita às cavernas algo singular. Graças a elas é possível enxergar na escuridão. Os morcegos fazem bastante barulho e as corujas voam em um silêncio impressionante.

E esse nome? Por que Furna Feia? É feio lá?

Pois então… Essa foi uma das nossas primeiras perguntas que fizemos. Por que a furna seria feia? Como em geral não procuramos ver fotos dos locais que vamos visitar antes de ir, não fomos por essa linha, não procuramos por imagens. Pesquisamos e conversamos com a equipe do ICMBio, que nos trouxe as respostas, muitas delas em um documento que replicamos abaixo.

Nesta região eram conhecidas apenas três furnas, ou cavernas, até o início dos anos 2000

Quando começaram a estudar a ideia de criar uma Unidade de Conservação no início dos anos 2000, foram encontradas mais de 200 cavernas na área do parque, 50 na zona de amortecimento.

A Furna Feia, a maior caverna de todas, já era velha conhecida dos moradores da região. Mas, por ser escura, com abismos, com animais como morcegos, aranhas e suindaras (corujas grandes e brancas, também conhecidas como rasga-mortalha), as pessoas achavam aquilo feio.

Isso é comum. Por outros parques que passamos vimos a população local achar feio algo que nós, de fora, achamos tão belo e diferente. Pelo jeito, aplica-se o ditado de que a grama do vizinho é sempre mais verde.

O acesso ao parque é entre Mossoró e Baraúna, duas cidades próximas à divisa com o Ceará. São cidades cuja atuação econômica hoje é baseada na produção de cimento e no cultivo de frutas como melão e melancia.

Estranho pensar que frutas como melancia, que são praticamente água, sejam cultivadas aqui, em um ambiente aparentemente tão seco. Pois bem, e as cavernas têm papel fundamental nisso.

Em cada parte da caatinga encontramos uma espécie que predomina aqui, mas que em outros locais é pouco comum: aqui é a amburana

Embaixo da bela mata de caatinga, onde reinam as amburanas, há uma quantidade enorme de cavernas, muitas delas interligadas. Essas cavernas garantem que a água seja armazenada durante a época seca e então retirada através de poços.

O parque nacional, ao conservar as cavernas, conserva todo o ecossistema que hoje garante grande parte da atividade econômica da região

O cimento nesta região também é forte. À medida que a indústria de cimento extrai recursos naturais e consome água, parte do reflorestamento realizado na área do parque foi feito por essa indústria como compensação ambiental.

Essa recuperação, que na caatinga é ainda mais complexa pela necessidade de quebra de dormência das sementes, gerou conhecimento e viveiros que hoje são usados para reflorestamento de outras áreas de caatinga.

Aliás, mesmo sem movimentação turística dentro do parque, a comunidade já se movimentou e o turismo de base comunitária foi desenvolvido, com facilitação do ICMBio, de forma a fomentar as capacidades locais.

O Turismo de Base Comunitária está pronto para apoiar o parque e os turistas

Além dos viveiros, ocorre a produção de cestaria, óleos essenciais, pomadas, sabonetes, shampoos com plantas da caatinga. O artesanato também é forte: bonecas de pano, bolsas, crochês, enfeites já são expostos e vendidos até no exterior.

As mulheres têm posição de destaque, ajudam-se e colaboram entre si para fortalecer o Prendas.

Estivemos nessa região para visitar o parque nacional e nos surpreendemos positivamente quanto a sociedade acredita e apóia o parque, algo que ocorre com menos frequência em outros parques, infelizmente.

Há aqui, a nosso ver, um exemplo a ser seguido, potencializando os conhecimentos, necessidades e a conservação. Furna Feia coloca-se como um destino certeiro para ecoturistas no futuro próximo.

Circulando no entorno do parque não se imagina onde serão as cavernas. Estamos acostumados a olhar grandes montanhas e paredões e nelas esperarmos ver cavernas. Aqui não há uma saliência, o que se vê é a caatinga

De repente, quando menos se espera, avistamos um lajedo; Embaixo dele está a Furna Feia

A entrada é feita depois de cruzar uma mata onde avistamos um grupo de macaco-prego do peito amarelo, específico do caatinga e que nunca havíamos visto. Tão ameaçados quanto, estes sequer chegam perto de nós, o que mostra que vivem em harmonia com a natureza e não têm costume de serem alimentados por humanos.

A abertura da Furna Feita tem paredes brancas e cinza, mas que com o reflexo do sol parecem azuis. Logo que entramos o teto mostra-se vazado por enormes claraboias.

Entramos com capacete e lanterna de cabeça, acompanhados de dois servidores do ICMBio que aceitaram nos acompanhar para conhecer neste momento e depois que a infra-estrutura for criada, voltar lá para visitar novamente.

As pixações nas paredes da caverna mostram que até pouco tempo atrás muita gente sem qualquer consciência frequentava o local, deixando suas marcas da pior forma possível. Diversos estudos e esforços estão sendo direcionados para limpeza das cavernas sem danificá-las.

As claraboias fazem toda a diferença: permitem observarmos a caverna além do que a lanterna alcança

Chama a atenção é que vamos caminhando e de repente abrem-se espaços de luz natural. Um raio de sol é suficiente para iluminar a caverna praticamente toda quando nossos olhos estão acostumados com a escuridão.

A cada minuto o raio muda de lugar, iluminando a caverna de uma forma diferente, refletindo com maior ou menor intensidade para outro lado. Um espetáculo, deu vontade de ficar lá por algumas horas e observar a transformação da movimentação da luz do sol entrando pelas claraboias.

Além disso, o som constante dos morcegos indica que estamos em um local bem protegido. São três níveis, dos quais caminhamos pelos cerca de 700 metros do central. No nível inferior ficam os morcegos e o superior é muito frágil para pisar. Somente na Furna Feia contaram mais de 14 mil morcegos.

De tempos em tempos avistamos uma suindara voando. Silenciosa, como se estivesse escuro. Ela alimenta-se de morcegos, entre outros. Ao chegarmos à caverna conhecemos uma equipe que pesquisa o regurgito das suindaras, estavam levando amostras para o laboratório, a maior parte delas pequenos ossos e crânios de morcegos.

O ambiente é convidativo, mas frágil. Realmente importante ter alguém que conhece a caverna nos acompanhando para nossa segurança (é fácil cair ou até se perder) e para segurança da caverna (o solo é frágil e pode ceder, danificando irreversivelmente a caverna).

O Lajedo em Pé é um sítio arqueológico

Lajedos são formações que existem em muitos locais e formatos. Mas neste, além de ser uma sucessão de pedras que cobrem cavernas embaixo (dá para ver), algumas das pedras estão na vertical.

Não se sabe ao certo como ou quando isso foi feito, mas sabe-se que foi necessária uma ação humana. A natureza sozinha não conseguiria levantar as pedras e dispo-las nesse sentido. Interessante vivenciar um sítio arqueológico diferente dos que já conhecíamos.

O Abrigo do Letreiro é uma caverna com um mulungu reinando em uma das claraboias

Esta é uma caverna mais rasa e com pinturas rupestres, principalmente da tradição agreste, com figuras geométricas que remetem a contagens. Mas o que mais chama a atenção aqui é uma abertura no teto por onde cresceu um enorme mulungu. Um árvore provavelmente centenária que encontrou condições perfeitas para crescer e balancear a questão do calor e da umidade.

São mais de 200 cavernas, algumas das quais são usadas em momentos de maior seca para que a população busque água, como é o caso da Furna do Pingo, onde pinga água mesmo nas maiores secas.

E tem também a Furna Nova, que deve ser a primeira aberta a visitação quando a estrutura foi aprovada e realizada, mas onde não tivemos a oportunidade de ir. Lá encontra-se um espeleotema chamado cortina, visitaremos novamente no futuro próximo.

Este foi o 37o parque nacional que visitamos em nossa expedição. Enquanto documentamos, existem 74 parques nacionais brasileiros, ou seja, acabamos de visitar a metade deles.

É muito gratificante ir até um parque e ver a relação que há com a comunidade, a aceitação e a cooperação para que todos se fortaleçam, com a conservação como peça central.

É igualmente gratificante reconhecer o quanto já aprendemos e o quanto ainda temos a aprender nesta expedição, conversar com o pessoal que faz a gestão e trocar ideias sobre educação e interpretação ambiental.

Este parque foi bastante icônico para marcar a metade do nosso caminho, um parque onde vemos uma gestão combinada entre ICMBio e sociedade, cada um com seu papel, mas juntos

No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:

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