A pergunta que mais ouvimos foi: “Jericoacoara é um parque nacional?”. Pois é, poucos sabem, mas é o terceiro parque nacional mais visitado do Brasil, em 2021 foi o segundo colocado, com pouco mais de 1,5 milhão de visitantes!

A Vila de Jericoacoara, onde muitos se hospedam, cheia de lojas e restaurantes, com acesso restrito a carros de quem é de fora, fica fora da área do parque. A vila é rodeada pelo parque, o que faz com que a Vila não possa se expandir.

A vila fica fora, mas é rodeada de Parque Nacional

Não fosse o parque, essa antiga vila de pescadores, que já foi descaracterizada, poderia ter se expandido pelas dunas adentro, de forma que a beleza natural fosse perdida.

A palavra jericoacoara remete a toca da tartaruga marinha. Mas infelizmente o transito de carros e bugues pela beira do mar afastou as tartarugas marinhas. Entre 2020 e 2021, no auge da pandemia, quando a visitação foi restringida, elas reapareceram. Sinal de que ainda há tempo para darmos espaço e silêncio para que elas voltem para desovar.

Em 2002 este parque foi criado, conseguindo não somente conservar a paisagem para os visitantes, mas ecossistemas inteiros e importantes, como é o caso dos mangues.

A Vila de Jericoacoara foi formada ali por estar protegida da movimentação das dunas. As dunas ficam ao redor e são móveis – chegam a “caminhar” até 30 metros ao ano – mas não tomam o espaço da vila porque há uma serra que a protege. É o tal do Serrote, o ponto mais alto do litoral cearense.

O Serrote é uma formação antiga, que data de quando os continentes começaram a se separar

O parque em si não tem hoje portaria ou mesmo cobrança de entrada. A entrada na Vila de Jericoacoara é controlada e cobrada, mas infelizmente nem uma pequena parte dos recursos é direcionada ao ICMBio para conservação.

E se tem uma coisa que este parque tem, é intensidade: tem muita coisa acontecendo ali 24 horas ao dia, todos os dias da semana.

A intensidade de Jericoacoara

  • O sol é bem forte e há pouca sombra
  • Por isso, os extremos do dia são bem movimentados, principalmente por quem vai fazer algum esporte
  • Jericoacoara acorda cedo e não dorme: é comum encontrar o pessoal terminando a noite quando você acorda para caminhar e ver o nascer do sol
  • O vento é forte e constante: ainda bem, pois ameniza o calor (mas cuidado, o sol está lá queimando e é fácil perder a noção!)
  • Ele sopra sempre para oeste, movimentando as dunas, grão a grão
  • Somente no início do dia e na época de chuvas (em geral fevereiro a maio), o vento diminui
  • Não há baixa estação, somente média e alta (nas épocas de férias, feriados e no segundo semestre, quando a região é o local onde há mais vento constante no mundo, atraindo praticantes de esportes de vento de todo tipo e de todo canto do mundo)
  • Há todo tipo de turista: do esportista ao baladeiro, passando pelo visitante de atrativos naturais, tanto de bugue como e pé ou de bicicleta
  • É possível escolher o tipo de turismo: de massa, percorrendo vários pontos em um mesmo dia, ou contemplativo/esportivo, com foco na qualidade
  • É um parque que fica no entorno de uma vila com muito recurso: hospedagem, refeições, lojas, supermercados, atividades
  • Prepare o bolso: nada é barato ali!

A movimentação das Dunas:

Aqui aprendemos que as dunas podem se movimentar até 30 metros em um único ano. A andança é tanta que é possível acompanhar a olhos nus. A cada ano a paisagem do parque se transforma. Todos os moradores da vila acompanham a mudança.

Afinal, caminhos podem ser abertos ou fechados dependendo da direção e força do vento. Aqui tudo parece nos lembrar sobre o poder de transformação: mudam as dunas, as marés, a lua, os caminhos e os turistas.

A gente sabe que tudo o que existe está em constante transformação, mas muitas vezes a mudança é tão lenta que não somos capazes de aprecia-la. A intensidade de Jericoacoara se dá também na mudança. Aqui basta prestar atenção para perceber a impermanência do todo.

E a beleza está nos grãos de areia que se deslocam constantemente e se reagrupam aqui e ali, nos lembrando que só permanece aquilo que se transforma.

Letícia Alves

Oficialmente o parque tem três somente atrativos catalogados: Serrote + Pedra Furada, Árvore da Preguiça e Duna do Por do Sol

Mas… ali acontece muito mais coisa. Muitos turistas ficam na Vila de Jeri, passam por esses pontos turísticos e seguem para balneários fora do parque para passar o dia. Nosso foco aqui está no parque.

Tudo pode ser feito sem veículos motorizados (inclusive a chegada e a partida, feita tanto por ciclistas quanto por praticantes de kite surfing), que foi nossa opção. Mas há também como ir com veículos motorizados (carro próprio, bugue ou jardineira – uma caminhonete com bancos na caçamba), vamos contar as duas formas aqui.

Serrote e Pedra Furada

A Pedra Furada é um dos locais mais visitados, é como o Cristo Redentor do Parque Nacional da Tijuca e a passarela do Parque Nacional do Iguaçu. Para chegar lá é possível ir de carro e caminhar uns 500 metros pela areia. Chegando lá, há uma fila para tirar uma típica foto.

Nós fomos a pé. Da Vila são menos de 4km pela praia. Importante ver como estará a maré, pois o caminho pela praia pode ser feito somente quando a maré está baixa. Basta perguntar a algum morador da região, as pessoas são extremamente bem conectadas com as fases da lua e movimentação das marés.

Se a maré estiver alta, a alternativa é ir pelo Serrote, subindo até o farol de onde há uma visão 360 graus do mar, da vila e das dunas. Recomendamos ir pelo Serrote e voltar pela praia. No caminho de ida há uma vegetação de cactos e flores que não esperávamos ver tão perto do mar.

A Pedra em si é um espetáculo. Pedras com furos causam sempre um fascínio. Quando e como esse furo foi feito? Pelo vento, mar, areia? A pedra é lisa, de uma forma que parece ser bem antiga mesmo, polida talvez pelo que a furou.

A fila dá a impressão de que há tempo apenas para uma foto, parece que você precisa correr. Mas, respeitando que há gente esperando, dá para aproveitar para olhar, tocar, sentir a pedra, olhar para cima. Algum dia aquilo vai furar a ponto de desmoronar, quando será? O sentido das pedras no teto dão a impressão de que ela girou com o tempo. Geólogos saberão dizer, nesta visita não tivemos acompanhamento de um guia.

Chamou a atenção também no caminho o trabalho que a equipe do ICMBio estava fazendo manejando a trilha de acesso. Como em muitos pontos pelo país, a visitação começou antes do ordenamento. Há diversas trilhas que acabam erodindo o solo, dificultando a recuperação e criando riscos de rolar pedras e areia.

A equipe do ICMBio estava construindo degraus em zigzag usando recursos locais e técnicas de mínimo impacto. Teremos que voltar para ver o resultado final.

Na volta, pela praia, quando a maré estava bem baixa, passamos não somente por uma série de piscinas naturais, mas também por algumas cavernas. As cavernas ficam parcialmente submersas na maré alta, um belo desafio para os morcegos que habitam.

Tudo isso fica “invisível” se o passeio for feito com veículo motorizado que te leve até lá diretamente pelas estradas.

Árvore da Preguiça + Fat Bike

Um dia acordamos bem cedo e fomos fazer um passeio guiado de fat bike, aquelas bicicletas com o pneu mais largo, próprias para pedalar na areia. A dica fundamental é: não pare nunca de pedalar, mesmo que seja em marcha leve, isso garante que você não atole. Mas, se atolar, tudo bem, logo dá para recuperar.

O passeio foi pelo Serrote, passou pela praia até chegar à Árvore da Preguiça. Pode parecer uma simples árvore deitada por ação dos fortes ventos, mas é uma espécie típica de mangue, que denuncia que ali ocorreu esse ecossistema no passado, hoje não há mais mangue.

Essa árvore, além de representar a resistência e ser um indicativo de como era a região no passado, propicia um ecossistema inteiro: aves, répteis e outras plantas surgem ali, se beneficiando da água que ela consegue captar e da sombra que gera.

Também é possível ir de forma motorizada até a árvore, o que, a nosso ver, traz uma sensação diferente, mais desvinculada da natureza.

Seguindo adiante no passeio, passamos por uma área intangível a veículos automotores, onde pode-se ir somente a pé ou de bicicleta. Campos cheios de corujas e répteis, onde aflora o lençol freático na época do “inverno”, como é chamada a época de chuvas por aqui, em geral fevereiro a maio.

Por esse motivo, nos recomendaram visitar o parque em maio, a menos que sejamos praticantes de esportes de vento. Em maio já chove menos, as lagoas estão cheias e ainda não é alta estação.

Por fim, subimos as dunas de bicicleta. O que parecia ser impossível, foi uma experiência sem igual. O vento, o sol e o movimento da bicicleta faziam parecer que estávamos andando em um cenário de fundo infinito. É como pedalar em um lugar sem fim. Essa é a melhor descrição que podemos dar, mas sentir isso é a melhor forma de saber.

Duna do Por do Sol

A duna do por do sol fica a 1km da Vila de Jeri e é procurada por centenas de visitantes no final do dia. Jericoacoara é um dos raros locais no Brasil onde o sol de põe no mar, então é um fenômeno que não pode ser perdido. Mesmo que um dia esteja nublado e não seja possível ver o Sol “tocando” o mar, vale a pena. Passamos alguns dias ali, vale a pena ver o por do sol todos os dias.

Contam os locais que a duna tinha 3 vezes o tamanho há dez anos. Não há nada de errado e nem de sobrenatural nisso, as dunas se movimentam. Elas são fluidas e podem “caminhar” até 30 metros ao ano! A Duna do Por do Sol está fadada a desaparecer daquele local, mas o encanto de ser o melhor local para ver o por do sol continua.

Encontramos na ponta direita da Vila de Jericoacoara um local onde a visão do por do sol era linda e permitia que ficássemos vendo o pessoal praticando esportes de vento: kitesurf, windsurf e windfoil. Verdadeiros acrobatas na água e pelos ares, davam saltos de quase 10 metros e faziam giros dignos de comerciais de TV.

Canoa Polinésia

Uma das formas de aproveitar o mar para quem não é adepto de esportes de vento é remar. A canoa polinésia, também conhecida por canoa havaiana pois os polinésios chegaram até lá a remo, é um esporte coletivo. Não somente para remar, mas para montar a canoa e colocá-la na água. As atividades começam às 4h, ainda escuro, quando ouvimos a história do esporte enquanto montamos a canoa.

Às 5h da manhã todos a postos em seus lugares, cada um com uma atribuição diferente além de remar de forma coordenada. Seguimos durante o nascer do sol sentido pedra furada, com retorno previsto para as 7h, antes do sol forte e do vento.

No entanto, a natureza tem seu próprio ritmo e justo no dia que fomos as ondas, a correnteza e o vento vieram com força, fazendo com que não chegássemos a nosso destino. Nada é perdido, o caminho é parte da diversão, aproveitamos para nos banhar no mar de Jeri, lá onde não teríamos chegado se viéssemos nadando da praia.

Mangue do Guriú

O mangue é um dos atrativos do parque, mas que ainda não conta com ordenamento para turismo. Acompanhamos a equipe do ICMBio e alguns voluntários em uma das pesquisas que estavam sendo conduzidas. Fomos acompanhar a contagem e medição das tocas e das espécies arbóreas do mangue.

Por incrível que pareça, nunca havíamos entrado e pisado tão dentro em um mangue. Geralmente remamos em seus rios e canais, mas não desembarcamos onde a argila está mais fresca. Uma experiência incrível não somente por entrar num ambiente que não conhecíamos, mas por acompanharmos uma pesquisa.

O trabalho é árduo e sem local para descanso, os pés afundam na lama e escorregam nas raízes. Os caranguejos nos observam ao longe e enfiam-se nas tocas sempre que chegamos perto.

Este parque nos mostra que há muitas formas de conhecer um local, um parque nacional. Todas são válidas, desde que não prejudiquem o meio ambiente. Mas vale lembrar que os parques estão ali para nos proporcionar educação e interpretação ambiental. Não aproveitar a visita para aprender mais sobre aquele local e desafiar-se sobre o que você conhece é um desperdício.

Aproveite as praias, o por do sol, a estrutura da Vila, o vento para os esportes. Mas lembre-se de aproveitar também para observar o furo da pedra, a movimentação das dunas, a importância do mangue.

No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:

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