Nós somos paulistanos e nossa expedição começou a ser pensada após uma visita a alguns parques nacionais no Piauí. Nos sentimos de certa forma vinculados a este estado, mas cada vez que visitamos, vemos que somos mais ignorantes sobre sua história, cultura e clima.
Fomos visitar o Parque Nacional de Sete Cidades poucas semanas antes do início da estação chuvosa, chamada por aqui de inverno. Ou seja, no mês mais seco e quente. Esperávamos encontrar a vegetação bastante seca, a própria mata branca que deu o nome à caatinga.
Quente estava, e muito! Seco também, apesar de ter caído um sereno numa madrugada. Mas, para nossa supresa, chegamos a uma região, que inclui o parque, totalmente verde.
Perguntamos se havia chovido inesperadamente, afinal já não podemos mais confiar tanto na exatidão das estações do ano, vemos eventos climáticos extremos e muitas chuvas e secas fora de hora. Não, não havia chovido fora de hora.
Esta região é uma transição entre o cerrado e a caatinga e permanentemente verde. Ao contrário do que nossos pré conceitos podiam dizer, aqui não falta água. O Nordeste se revela para nós, a cada passo, como uma variedade imensa de culturas, povos, paisagens e climas, que antes não sabíamos caracterizar.
O que se parece então a um “oásis” ocorre porque o lençol freático é bastante superficial nesta região. Talvez por esse motivo, e pela fartura que a água nos proporciona, que os homens pré históricos escolheram este local para se estabelecer há cerca de 4 – 6 mil anos atrás. E até que na região fosse criado um parque nacional habitavam ali famílias que conseguiam garantir sua subsistência, vivendo em harmonia com a natureza.
Este parque para nós é um oásis. Não somente pela água que ali aflora, mas também pela curiosidade que surge quando chegamos lá. De onde vem e como é armazenada tanta água? Quem eram, o que sabiam e para onde foram os antigos moradores que deixaram suas inscrições rupestres? Quem eram e como foi o processo de saída da área do parque das famílias que ali viviam até meados dos anos 1970?
O nome do parque já é um convite à curiosidade. Por que Sete Cidades? Vamos responder adiante, mas vale a pena dizer que as Sete Cidades são uma forma que nós humanos achamos para denominar um ambiente natural de forma lúdica e atrativa. Não nos prendemos a conhecer e não nos prenderemos a descrever cada uma das sete cidades.
No entanto, se você procura algo mais descritivo, há um blog com as informações organizadas de uma forma excelente:
É possível visitar o parque sozinho sem acompanhamento de guias. Mas, visitar com alguém que conhece sobre a vegetação, geologia, arqueologia e a história recente do local é algo que agrega um valor imenso à visita. Osiel, além de ter um camping ao lado do parque, é guia e morou até os dois anos de idade no parque, vale conhecê-lo: https://www.instagram.com/quintaldocuriologo/
Olhando no mapa, pode soar estranho ver que a sétima cidade está “fora de ordem”, no caminho entre a primeira e as demais. A sétima cidade originalmente foi definida em uma área intangível do parque, onde não ocorre visitação turística.
Como isso frustrava os visitantes que iam ao parque de Sete Cidades onde podiam ser visitadas apenas seis, o local onde fica a pedra com o furo no formato do estado do Piauí foi definido como a sétima cidade.
Apesar de não falarmos das cidades em si, vale destacar alguns dos atrativos mais procurados em cada uma delas:
- Primeira cidade: bem próxima à portaria norte, há formações em formato cilíndrico e lindos campos de flores de anuês, bem como mimosas pudicas (aquela que você toca e ela se fecha)
- Segunda cidade: além das mais famosas pinturas, lá está o mirante e o portal dos desejos, que alguns chamam de “arco do triunfo”
- Terceira cidade: a com o maior número de formações de pedras
- Quarta cidade: onde fica a gruta do Catirino
- Quinta cidade: onde fica a Furna do Índio, com pinturas representando caça
- Sexta cidade: onde fica a famosa pedra da tartaruga
- Sétima cidade: pedra com furo no formato do estado do Piauí
Além das cidades, há também o Vale das Pedras, com um novo mirante, a Cachoeira do Riachão e o Olho D’Água para visitar.
Pintura rupestre de novo? Não é tudo igual?
Há algum tempo achávamos que havia pinturas rupestres em um único lugar no Brasil: Serra da Capivara. Aos poucos fomos vendo e aprendendo que elas estão espalhadas.
Em cada local que você visita há características especiais. Para além das tradições agreste e nordeste, cada local tem a predominância de um elemento diferente. Aqui são as mãos.
Em muitos sítios há representação de mãos pintadas nas paredes. Não são aqueles decalques que fazíamos na escola, pois a palma das mãos é em espiral.
Há inclusive uma mão de seis dedos. Teria sido pintada por um polidáctilo? Ou teria sido um erro?
Inclusive, um arqueólogo suíço que visitou os sítios das Sete Cidades, Erich von Daniken, questiona se os homens pré históricos ao redor do mundo receberam a visita de astronautas e se as pinturas representam um pouco dessa história, das representações das naves e de um povo de gigantes que esteve por aqui.
Há outras teorias, sobre os fenícios terem vindo às Américas bem antes dos europeus nos 1400s. Nunca saberemos, mas é sempre legal ficar imaginando.
Lenda sete reinos e beijo do lagarto
O local onde fica hoje o Parque Nacional foi, há não muito tempo atrás, lar de 25 famílias. Por gerações eles viveram ali e quando o parque foi criado os chefes de família foram contratados como funcionários do parque e desde então há uma relação muito íntima e respeitosa de conservação com a comunidade.
O nome Sete Cidades não foi dado pelos moradores, mas a partir de uma lenda: teria havido ali sete reinos independentes. Contrariando a definição de um casamento arranjado, o príncipe do 4o reino apaixonou-se pela princesa do 3o reino, o que não era o que seus pais esperavam.
Para evitar essa relação, os dois foram tornados lagartos. No entanto, eles continuaram a se encontrar. Uma nova maldição foi colocada sobre eles: todos os reinos foram transformados em pedras. Se um dia os dois lagartos conseguirem se beijar, a maldição acaba e os reinos voltam a existir. No entanto, esse encontro parece impossível de acontecer.
Ah, a Sétima Cidade original ficava na área intangível do parque e não podia ser visitada por turistas. Por esse motivo, foi definida uma Sétima Cidade na área que pode ser visitada, onde há um furo na pedra no formato do estado do Piauí. Diz a lenda que quem passa ida e volta pela fresta torna-se também piauiense.
Portal dos desejos ou arco do triunfo?
Uma das maiores cidades do parque é a segunda. É lá onde fica o mais antigo mirante, é lá onde está a pintura de uma mão com seis dedos e lá fica o Arco do Triunfo..Arco do Triunfo? Pois é, achamos meio estranho esse nome…
Originalmente esse era o Portal dos Desejos: quem quer que passasse por lá poderia fazer três desejos, desde que não fossem por dinheiro, por casamento ou bens materiais.
O nosso amigo Osiel, o auto-denominado “curiólogo”, acompanhou a visita de um estudioso na região há muito tempo, quando era ainda menino. Daí ele ouviu do estudioso que aquele local parecia o Arco do Triunfo e deveria se chamar assim.
Inconformado, mesmo tendo sido voto vencido, ele prometeu que ia contar a todo o mundo que ele acompanhasse o nome original que a avó dele havia contado.
Com isso, nasceu mais uma lenda, a de guardar uma lenda do parque.”
Afloramentos rochosos em meio à mata
É tudo meio plano, os caminhos são ótimos para percorrer a pé ou de bicicleta. Há ainda acesso fácil de carro entre uma cidade e outra.
Onde quer que você desça e caminhe, será um labirinto de pedras em meio à mata. É difícil ver a amplitude do parque, o gostoso é ir descobrindo aos poucos, xeretando mesmo. De repente aparece uma formação que parece com algo familiar, depois um paredão de arenito repleto de pinturas, depois mata, daí uma pedra que parece o casco de uma tartaruga, cactus e uma diversidade enorme de plantas.
Há quem vá até lá para visitar tudo em uma hora. Se dá? Sempre dá, mas sem nenhuma qualidade, sem aprender nada, só tirando fotos para ver depois o que você não viu ao vivo.
No Vale das Pedras por exemplo há um mirante para o nascer da lua, ali também fica a toca do Catirino, um curandeiro que habitou o parque há não muito tempo atrás.
Olho d’água e cachoeira
Neste parque não só tem uma cachoeira, como ela é enorme. Chama-se Cachoeira do Riachão, mas infelizmente seca na metade do ano e volta a aparecer com as chuvas já em janeiro ou fevereiro. Maio é a época em que já não chove e o parque está cheio de água. Há pontos inclusive que tornam-se alagados.
Mesmo assim, fomos até lá e nos esbaldamos com a sombra, a umidade e, principalmente, com a presença das aves. Não são bobas, procuram os locais com temperatura mais amena para descansar, se reunir.
Mesmo assim, ficamos com gostinho de voltar na época em que a cachoeira está cheia. Afinal, refrescar-se nesse calorão numa bela cachoeira não seria nada mal. Mas logo perto da entrada norte há um olho d’água que não seca nunca. Foi lá onde passamos quase todos os dias para pegar uma sombrinha e dar uma refrescada na metade do dia. Um bom lugar para ler um livro e para observar como as aves vêm se refrescar.
No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:
Muito Obrigado por compartilhar tanta informação preciosa sobre nossos parques. Meus parabéns por tão belo trabalho e importante para a memória nacional.
Nós que agradecemos!
Boa tarde!
Estarei na região em dez23, o relato acima é de fato rico e muito didático, pelo qual agradeço muito. E vocês têm toda razão: fazer o passeio em poucas horas só para tirar fotos e postar… nem é preciso sair de casa para isso, não é? Ideal é aproveitar, relaxar, sentir-se dentro de um ambiente que é tudo menos a rotina estressante e corrida de uma capital paulista. Tenho certeza que será um passeio inesquecível! Verei um jeito de contatar Osiel! Obrigada!!
Ah, que delicia, procure por ele sim e depois conta como foi! Tomara que caia uma chuvinha, o aroma da caatinga molhada é dos melhores do mundo