Se você:
- Nunca foi a um parque nacional porque não sabe como se planejar, o que fazer
- Não visita parques nacionais porque não sabe se haverá uma infraestrutura mínima para chegar, estacionar, fazer um lanche, ir a um banheiro, ter acesso a um bebedouro
- Não tem segurança em andar numa floresta, entrar numa gruta, tem receio de animais
- Nunca viu fazer 15 graus no Ceará
- Quer ver uma floresta com mata úmida com árvores enormes e cheia de cachoeiras, além de babaçus e macacos-prego
- Está a fim de dar o primeiro ou mais um passo na educação ambiental
Então, Ubajara é o seu parque!
Mas, se você já conhece parques nacionais e não tem nenhum receio ou insegurança: também!
Este foi o 40o parque nacional que visitamos na nossa expedição. Ao longo do nosso trajeto, aprendemos muito com a natureza, com as pessoas, um com o outro e individualmente. Esse conhecimento é infinito, não há limite.
Vimos em Ubajara um parque muito bem estruturado, que permite dar o primeiro passo em visitar e aprender sobre educação ambiental. E uma estruturação em andamento para que aqueles que procuram caminhadas mais longas, pernoite no parque ou que já praticam a interpretação ambiental cada vez mais conheçam ainda mais.
Neste parque você aprende história
A história deste parque é antiga, muitas pessoas moravam ali antes de ser criado o parque nacional. Elas viviam principalmente ao longo da estrada que liga Araticum a Ubajara por onde até hoje sobem jegues levando sacos de carvão de uma cidade a outra.
Em 1959, quando foi criado (o quarto parque nacional mais antigo do Brasil), ele tinha pouco mais de 500 hectares, o que o manteve como o menor parque nacional até o ano de 2002, quando sua área foi ampliada para quase 6,3 mil hectares. Ainda é um parque pequeno em área para padrões brasileiros.
Como houve um tempo grande entre 1959 e 2002, a visitação do parque estruturou-se na área dos 500 hectares originais, onde fica a gruta, o bondinho instalado em 1974, mirantes e cacheiras, bem como a estrada que liga as duas cidades.
O bondinho foi instalado tanto como meio de transporte para que os moradores pudessem ir de uma cidade a outra sem ter que dar uma volta de mais de 60 km pela serra de Ibiapaba, quanto como destino turístico. O bondinho leva da parte alta até a gruta de Ubajara, ainda hoje o principal atrativo do parque
Em 2015, quando o bondinho parou de funcionar, os gestores do parque junto com a cooperativa de guias passaram a olhar as belezas do parque além da gruta e do bondinho como atrativos turísticos. Foram abertas trilhas e construídos mirantes. Com isso, o perfil de visitação mudou, Ubajara passou a atrair mais visitantes de final de semana que visitantes para meio-período.
Agora no final de 2022 o parque está passando por uma revisão do plano de manejo junto com um processo de regularização fundiária que fará que mais atrativos, além da área dos 500 hectares originais, sejam visitados. Os principais são cachoeiras, mirantes e belas formações rochosas.
Neste parque você aprende geologia
Ele fica em cima de uma camada de calcário, que foi trazido pelo mar há 600 – 700 milhões de anos; depois coberta por uma camada de areia, trazida por rios há cerca de 300 – 400 milhões de anos, formando o arenito. Aos poucos o arenito foi sendo “lavado” e levado, abrindo vales e criando a chapada.
Foi quando a vegetação cobriu o chapadão que a erosão natural perdeu força. Há cerca de 200 mil anos um rio chegou até a parte do calcário abaixo do arenito e começou a cavar o que é hoje a gruta de Ubajara.
Neste parque você aprende botânica
A formação geológica fez com que uma região elevada recebesse mais umidade, onde cresce hoje uma mata alta, cheia de babaçus e outras espécies. Lá nascem rios perenes, ocorre sereno e desce neblina quase todos os dias.
Nas encostas a mata, apesar de alta, é mais seca. É por lá onde correm rios e as árvores soltam folhas no verão para evitar perder umidade.
E na parte baixa há uma mata mais baixa e espaçada, uma mistura de caatinga e cerrado onde chove de forma concentrada entre janeiro e abril e nos demais meses há estiagem.
É possível ir de uma fitofisionomia até outra caminhando, sentindo na pele a diferença entre elas. Dá para imaginar também a diferença no estilo e possibilidades de vida entre quem mora na parte úmida e tem acesso a frutas e hortaliças o ano todo, e quem mora na parte mais seca, que precisa preparar a terra logo antes da estação chuvosa para não perder uma gota de água.
Neste parque você aprende sobre os macacos-prego
Macacos-prego não são exclusividade deste parque. Em geral é possível encontrá-los. No entanto, há parques onde eles são muito ressabiados, evitam os humanos e passam longe e há parques onde eles no passado receberam comida de nós humanos, acostumaram-se e podem tornar-se agressivos se te encontrarem comendo e sem oferecer comida a eles.
Aqui há um meio termo. Os macacos-prego passam bem perto de nós, sem medo. Vêm em grupos, posam para fotos, nos olham, tão curiosos como nós sobre eles. Mas em nenhum momento procuram nossa comida, o que significa que além de haver um equilíbrio ecológico, não foram mal acostumados a receber nossa comida e continuam então em sua dieta original.
Ou melhor, não tão original, mas independente dos humanos. Quando havia famílias vivendo na área do parque foram plantadas árvores de manga, jaca e café, que não são originais do nosso país. Via de regra, espécies assim precisam ser retiradas para que não se alastrem e permitam que as espécies originais voltem a crescer.
Em Ubajara observou-se que a fauna local já havia se habituado a esses frutos. Retirá-los poderia causar uma escassez de comida e afetar a fauna. Optou-se por mantê-las lá. Então, é comum caminhar na área do parque e ver mangueiras, jaqueiras e pés de café plantados à sombra. Nós humanos alteramos o ambiente e a dieta dos macacos-prego, entre outros.
Apesar de haver macacos-prego em outros parques, na parte baixa do parque foi constatado que eles utilizam-se de ferramentas para abrir os cocos de babaçu, macaúba e até sementes de jatobá. Até poucas décadas atrás acreditava-se que a diferença entre o homem e outros animais estava no uso de ferramentas. Quando verificou-se que chimpanzés na África, orango-tangos na Ásia e macacos-prego na América fazem uso de ferramentas, tudo mudou.
O uso de ferramentas não é algo inato, é algo que precisa ser aprendido e é passado de geração em geração. Por isso a pesquisa é importante. Esse comportamento foi observado na parte baixa do parque, na zona mais árida. Mas será que os grupos da parte úmida, mais alta, também têm esse comportamento?
Visitar a gruta e passear de bondinho
A gruta é o principal atrativo do parque. Dá para chegar lá de bondinho ou a pé. A gente recomenda ir a pé (descida passando pelos mirantes e cachoeiras) e voltar de bondinho.
A gruta foi escavada há cerca de 200 mil anos por um rio que ainda passa lá, mas que agora já está tão fundo que raramente pode ser visto, somente quando chove muito. Ela é visitada bem antes de haver bondinho, há inclusive uma capela onde as pessoas iam “pagar” promessas escrevendo os nomes e datas nas paredes.
Ela tem 9 salões, iluminados artificialmente. Dá para ver a dimensão, para enxergar de um salão para o outro, ver o jogo de sombras e formas da gruta de onde você estiver.
As estalactites e estalagmites criam formas que lembram golfinhos e cristas de cavalo. Mas o mais interessante é que isso é feito por cada gotinha de água.
Elas penetram o solo lá em cima, onde há mata. Descem pelo arenito até chegar ao cálcio, que carregam e pacientemente depositam quando evaporam ou pingam. Quanto mais tempo demorar para pingar, mais cálcio se forma e mais a caverna muda.
O bondinho foi instalado em 1974 como meio de transporte para que as pessoas de Araticum e Ubajara não tivessem que dar uma volta de mais de 60km na Serra de Ibiapaba. E também para acesso à gruta.
Ele foi recém reformado, com os carros originais cheios de janelas, e está novamente aberto. A subida, que leva 4 minutos, vai bem próxima às copas dos babaçus e das barrigudas, também do paredão de arenito que só está seguro pela vegetação.
Descer a estrada que leva a Araticum e sentir a mudança do ambiente
Ubajara fica em cima da serra, onde a mata é úmida e as árvores são altas, parece um resquício de mata atlântica. Araticum fica embaixo da serra, onde a caatinga típica predomina.
Lá em cima: frutas e hortaliças o ano todo, há plantio de café à sombra. Lá embaixo: aguarda-se atenciosamente o “inverno”, a temporada de chuvas quando é feita a roça; no restante do ano é fabricado e vendido o carvão.
O carvão até hoje é transportado por jegues de Araticum a Ubajara. Eles sobem os pouco mais de 7km em 3 – 4 horas na madrugada. Está em discussão o fim do uso de animais para tração, sobretudo na área do parque nacional.
A estrada calçada passa por baixo de cachoeiras, numa área onde há caranguejos (ninguém sabe como foram parar lá), pelas mangueiras e jaqueiras que denunciam onde havia moradores, acompanha o rio das Minas e chega até o semi-árido.
Nesse caminho é fácil perceber na pele a diferença: umidade, temperatura, luminosidade. O que há de cima até embaixo são os macacos-prego, cada grupo com sua cultura.
É em caminhadas como essa que entendemos o que estamos fazendo nesta expedição: experimentando, vivendo, conhecendo, sentido. Não há melhor forma de aprender que assim.
Dá para imaginar a diferença no conhecimento, na forma de viver e nas expectativas de quem vive à sombra com água abundante e constante e quem vive no semi-árido, com um estilo de vida que muda conforme as estações do ano.
Conhecer a história e o Centro de visitantes
O parque foi criado como o menor do Brasil, com 500 hectares apenas. Foi ao redor da gruta e do bondinho que o parque concentrou seu viés turístico. Quando em 2015 o bondinho parou, a visitação parou.
Foi na dificuldade que o parque passou a olhar e usar mais as suas outras belezas: cachoeiras, mirantes, trilhas. Deu certo, foi um caminho sem volta. O parque hoje, com pouco mais de 6,2 mil hectares, está se preparando para não ser conhecido pelo bondinho ou pela gruta somente, mas pelo todo.
E se há algo em que este parque se destaca, é na educação ambiental. Quem pouco visitou parques nacionais, quem tem receio de andar em trilhas, entrar em grutas, de encontrar animais, aqui tem uma infraestrutura completa e fácil para visitação. É só chegar, haverá certamente alguém para te orientar.
Basta ir ao Mirante do Pendurado e ao Centro de Visitantes para aprender sobre geologia, biologia, história e cultura e, com isso, querer saber mais, ver mais, sentir mais.
Quem sabe não é esse o primeiro passo que cada um de nós precisa para nos maravilhar e, com isso, nos sensibilizar com relação ao meio ambiente, aos benefícios dos parques, à singularidade deles, ao valor que tem uma floresta em pé, um ambiente bem equilibrado, com pessoas que têm ali suas profissões e que diariamente colaboram, direta ou indiretamente, com a conservação?
O melhor de tudo é que esse conhecimento todo cada um de nós leva para casa. Tanto aqueles que foram por primeira vez quanto aqueles que estão fazendo uma expedição e já visitaram 40 parques nacionais: todos aprendem!
Banhar-se numa cachoeira e com a vista do chapadão
Na parte mais visitada do parque, pela portaria Neblina, há três cachoeiras. E tem um circuito para visitá-las num dia.
A cachoeira da Gameleira fica ao lado do mirante de mesmo nome e, apesar de ter água inclusive fora da época de chuva, não é propícia ao banho. Pelo fato de ficar em um precipício. Linda para ver, mas não para entrar.
A cachoeira do Cafudó nem é tão longe assim. Pode ser acessada pela portaria principal ou pela parte de cima da estrada Ubajara – Araticum. Ali sim, água o ano todo e com um poço para banho a qualquer hora. Vale lembrar que, apesar de ser no Ceará, ali é serra, faz frio de verdade. Durante o dia esquenta, mas não é todo dia que está quente assim para entrar na cachoeira.
A cachoeira do Gavião é a que fica mais longe, bem pouco visitada fora do “inverno” porque ela seca completamente. Mas é de lá que está a vista de frente para a formação da gruta, a vista inversa de quem está no bondinho. Se só essa vista já vale a pena, imagina quando está com água então?
Caminhar por entre as fendas dos paredões de janeiro
Os paredões de janeiro ficam fora da área inicial do parque, estão na expansão. São fendas que criam uma trilha por onde o gado em janeiro, com o início das chuvas e a chegada das moscas, são conduzidos para a parte baixa. Isso evita que se contaminem.
Há poucos anos esse local foi visitado por primeira vez não para descer gado, mas pela sua beleza. Os paredões abriram fendas que estão segurando as árvores que, com suas raízes, seguram os paredões, alguns de até 20 metros de altura.
Caminhando entre eles, não dá só curiosidade de saber como e quando aquilo abriu. O pescoço até dói de tanto olhar para cima para observar a imensidão e a beleza desse local.
Por ali passa uma cachoeira. Deu um gostinho de “quero voltar em abril” desde já, mas mesmo sem água, observar o caminho dela e poder andar pelas fendas que ela abriu ao longo de milhares de anos, é algo muito especial.
No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima: