Imagina uma imensidão de dunas e mais de 36 mil lagoas de água doce numa área do tamanho da cidade de São Paulo!? Imagina que no meio disso tudo há dois oásis, de verdade, onde vivem comunidades tradicionais até hoje!?

Agora, imagina que mesmo na época mais seca há mais lagoas cheias do que você conseguiria aproveitar num espaço de uma semana!? E, para completar, é possível cruzar essa maravilha inteira a pé, a favor do vento, caminhando descalço pela areia!?

Pois é, isso tudo existe, fica no Brasil, está num parque nacional e chama-se Lençóis Maranhenses. Esse nome parece desvinculado da realidade de areia e lagoas, mas vem justamente do fato de que o lençol freático é tão raso que agora e aparece na forma de lagoas, principalmente depois da época de chuvas, quando os rios encharcam o solo.

As chuvas são concentradas entre janeiro e maio, então as lagoas ficam mais cheias entre junho e agosto, quando a maioria dos mais de 150 mil visitantes visita o parque. Mas não se engane, mesmo indo em outras épocas há belas, fundas, limpas lagoas suficientes para você admirar e se banhar.

Nós visitamos esse parque entre dezembro e janeiro, justamente na época mais seca. Visitamos fazendo a travessia, onde estávamos praticamente somente nós de turistas por sete dias. Depois disso tentamos visitar mais algumas lagoas, mas não foi possível.

Vamos contar aqui para aqueles que optarem por fazer a travessia ou mesmo para aqueles que forem somente diretamente às lagoas. Queremos voltar na época de lagoas mais cheias? Sem dúvida! Nos arrependemos de ter ido agora? Nem um pouco, muito pelo contrário.

Há três principais pontos de acesso ao parque. Atins fica na região praiana da cidade de Barreirinhas e é uma área que vem se desenvolvendo turisticamente nos últimos anos com uma infraestrutura mais nova e preços mais altos. Chegar lá é mais difícil e caro: exige um barco ou um condutor credenciado. Lá, além de ser base para visitar o parque nacional, há muito esporte de vento, como kite surfing, além de festas e baladas.

Barreirinhas é uma cidade de médio porte à beira do Rio Preguiça, por onde saem os barcos para Atins e as jardineiras (caminhonetes com assentos na caçamba) para Atins e para as lagoas mais próximas. É o lugar com mais infraestrutura, mas também mais cheio. Apesar de ser a maior base, as lagoas ficam a pelo menos 1-2 horas de carro de lá.

Santo Amaro é uma pequena cidade à beira do Rio Alegre com menos infraestrutura e mais toque local. De lá saem passeios para muitas lagoas. Na nossa opinião, Santo Amaro leva vantagem pelo sossego e por estar mais próxima das lagoas: em menos de 5 minutos você chega a uma.

Não há nada barato neste parque, prepare seu bolso. Apesar de a contratação de guias não ser obrigatória e ser permitido entrar e circular a pé ou de bicicleta, o acesso com veículos motorizados pode ser feito somente para veículos credenciados, o que é pago. Isso é importante para garantir a segurança de quem dirige e quem caminha: o carro pode facilmente atolar na areia, as dunas que são móveis, o carro é intenso, há muitos pedestres caminhando e não há caminhos de carro bem marcados, gerando riscos de atropelamento, algumas dunas têm quedas abruptas e alguns trechos têm até areia movediça.

Com isso, acessar qualquer uma das lagoas não fica barato. Na época de lagoas mais cheias há mais oferta de passeios e maiores chances de dividir as contas em um grupo. O inconveniente é que o parque estará mais cheio. Na época mais seca é possível caminhar com maior exclusividade, passar por longos trechos sem cruzar com ninguém. Mas como há menos procura, é mais difícil dividir os custos do carro todo, que podem ficar muito altos.

É muito bom ver um parque com boa infraestrutura no entorno e bem visitado, mas os preços realmente ficaram bem acima do esperado. Talvez por esse motivo que os estrangeiros foram os primeiros a conhecê-lo de uma forma mais ampla.

A travessia dos Lençóis Maranhenses vai de Atins a Santo Amaro do Maranhão e começou a ser feita em 2006. De lá até 2019 a predominância era de estrangeiros. Os turistas brasileiros visitavam mais as bordas nas lagoas, mas pouco o interior do parque. Desde o início da pandemia os turistas brasileiros começaram a buscar mais e frequentar mais a travessia.

O sentido da travessia é conforme o vento: de leste para oeste. O vento é constante e forte. O mesmo vento que esfria a areia das dunas e permite que pisemos descalços praticamente o tempo todo, exceto nas áreas com vegetação onde o vento é barrado, também move as dunas e chega a cobrir casas de areia por completo.

A cidade de Santo Amaro do Maranhão, por exemplo, tem grandes riscos de ser coberta pelas dunas no futuro. As dunas formam-se pelo acúmulo de sedimentos trazidos dos rios para o mar. Com o vento constante, sempre que a maré baixa a areia seca rapidamente e é soprada de volta para o continente, formando as dunas.

As dunas podem chegar a “caminhar” até 30 metros em um ano. Na época seca a areia fica mais solta e fofa, correndo mais rápido. Na época de chuvas a areia fica mais pesada e corre menos. Às vezes a gente esquece, mas o vento é natureza. Ele é o grande escultor e orquestrador de tudo o que se vê por aqui.

Você pode ir de Atins a Santo Amaro em 3, 4, 5, 6 ou 7 dias. O trajeto é o mesmo, mas quanto mais dias, mais você caminha a pé e menos em quadriciclos ou caminhonetes.

Há no centro do parque uma área primitiva onde chega-se somente a pé. Ali somente os moradores das comunidades tradicionais (falaremos amanhã sobre isso) podem usar carros para seu transporte e para suas coisas.

Optamos por sete dias. Foram 56km ou 17h30 de caminhada, além das deliciosas paradas nas lagoas pelo caminho. Calculado uma média por dia, parece pouco, mas soma-se que é na areia em um sobe-e-desce. O trajeto foi o seguinte:

  • 1o dia Porto de Atins a Canto de Atins: 7,8km; 2h
  • 2o dia Canto de Atins a Baixa Grande: 5,4km; 2h (+20km em quadriciclo)
  • 3o dia Baixa Grande a Queimada dos Britos: 9,9km; 3h30min
  • 4o dia ficamos em Queimada dos Britos
  • 5o dia Queimada dos Britos a Betânia: 18,1km; 5h
  • 6o dia Betânia a Cajueiro: 9,2km; 3h
  • 7o dia Cajueiro a Santo Amaro: 5,6km; 2h

Pode parecer uma média relativamente baixa de km por dia considerando que fomos com pouco peso. Afinal, em cada ponto de parada ficamos na casa de populações tradicionais, onde tínhamos cama ou rede, banheiro, comida e água. Hoje em dia há inclusive eletricidade e wifi em alguns pontos.

Mas, considerando que a caminhada é na areia e que há um sobe-e-desce constante, alguns dias acabaram sendo mais cansativos.

O sentido da travessia, além de ser favorável ao vento, se for feito pela manhã será também favorável ao sol. Além disso, as dunas têm o formato perfeito para esse sentido: subíamos dunas pouco íngremes e descíamos verdadeiros paredões de areia. Neles, se você estiver de chinelo e perder na areia, nem se dê ao trabalho de procurar.

O silêncio da caminhada somente é interrompido pelo barulho do vento e, quando chegamos às lagoas, das aves pescando. É meditativo caminhar por sete dias em meio a uma paisagem que às vezes faz você duvidar se é real e se é realmente possível caminhar. Há um fim, um começo, um meio?

As subidas geram uma grande expectativa: o que tem atrás da duna? Mais uma duna? Vegetação? Uma lagoa? As descidas são uma delícia: na areia fofa é só ir pulando que chega-se lá embaixo.

Em diversos pontos chega-se ou cruza-se lagoas. Algumas mais rasas e outras mais profundas, mas todas maravilhosas. Em algumas encontramos aves pescando, em outras as tartarugas-pininga, que na época seca escondem-se embaixo da areia, como se estivessem hibernando.

Há dois momentos em que chega-se aos oásis dos lençóis: Baixa Grande e Queimada dos Britos. São oásis de verdade, afinal aqui estamos em um deserto, apesar de ser úmido. Nesses oásis vivem comunidades inteiras, há inclusive uma escola na Queimada dos Britos. São populações com conhecimentos tradicionais trazidos e criados pelo casal Brito que chegou à região por volta de 1915 fugindo da seca no Ceará.

Os oásis ficam na área considerada primitiva do parque, onde não é permitido acesso com veículos motorizados. Exceções para os moradores irem e virem e trazerem seus pertences e compras.

Quem vai visitar as lagoas perto de Barreirinhas ou Santo Amaro pouco visita os oásis. Como há que chegar a pé, ir e voltar num mesmo dia pode ficar puxado. Mas há sempre a oportunidade de pernoitar por lá. Fica a dica: se não animar fazer a travessia, procure passar pelo menos uma noite em um dos oásis, ouvindo as histórias dos locais e admirando a paisagem.

Nos oásis, além de água de forma perene há também uma mata nativa. Nessa mata há frutas que pouco conhecíamos como o puçá, o mirim e o murici. Deles é feito o suco ou até o doce. O peixe servido pelos nativos, além de extremamente fresco, em geral é feito na brasa, o que dá um toque ainda mais especial. Afinal, até meados da última década não havia luz nos oásis, hoje contam com energia solar.

Como falamos antes, mais próximo das cidades ficam as lagoas mais visitadas. Quanto mais para dentro do parque, mais sozinho você ficará. É uma questão de escolha sobre quando ir, há sempre vantagens e desvantagens. No nosso caso, queremos voltar antes de poder opinar sobre as diferenças. Afinal, não há limites de beleza neste parque, esperamos poder visitá-lo muitas vezes.

No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:

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