A gente ouve falar do Monte Pascoal desde quando somos pequenos na escola. Foi graças a ele que os portugueses teriam avistado o Brasil quando se perderam indo para as Índias. Até pouco tempo atrás nós não sabíamos que havia um parque nacional dedicado ao Monte Pascoal.

E somente quando chegamos que tomamos conhecimento que o parque tem muitas versões e muitas pessoas acabam visitando sem saber que estiveram num parque nacional, o que é uma pena. Não há uma visão única e integrada deste parque, são vários mini universos que acabam não conversando entre si.

O parque tem o formato de um retângulo, sendo menos largo no eixo norte-sul e com até 40km de largura leste a oeste. O Monte Pascoal fica quase no extremo oeste do parque, do lado oposto à costa.

Com seus pouco mais de 500 metros de altitude, é difícil encontrá-lo olhando da costa, o que por algum momento nos fez pensar como os portugueses tinham tido tanta sorte de vê-lo, ou se a luneta era muito poderosa. Mas como o relevo é predominantemente plano, ele destaca-se no horizonte para quem olha do mar.

A subida ao Monte é um dos principais atrativos deste parque, que tem uma grande sobreposição com a terra indígena Pataxó, faz divisa com o distrito de Corumbau e inclui em sua área a badalada Caraíva e a Reserva Indígena Pataxó logo ao lado.

Somente pelo Pé do Monte, de onde saímos para subir o dito cujo é que há mais informações sobre o parque. Tanto em Corumbau quanto em Caraíva o parque é ignorado, desconhecido.

O parque protege, além de um marco histórico, um dos últimos remanescentes contínuos de mata atlântica do sul da Bahia. A mata é bastante densa, com árvores gigantes que até nos fazem confundir se o relevo é mesmo plano olhando de cima. O parque também protege os mangues dos seus limites e a restinga da costa.

Mas, infelizmente, este parque sofreu e continua sofrendo com muito desmatamento e uso indiscriminado de seus recursos. Não foi somente em um ponto que ouvimos as serras elétricas a plena luz do dia. Conversando com os indígenas, tomamos conhecimento que as invasões para cortar as centenárias árvores remanescentes são constantes.

Subida ao Monte Pascoal: Pé do Monte

A subida ao Monte Pascoal começa na aldeia Pé do Monte, mais próximo de Itamaraju. O acesso até lá é fácil e asfaltado, a subida é obrigatoriamente acompanhada por um condutor Pataxó. Em geral há alguém por lá todos os dias, mas convém se informar pelos canais do parque. Lembre que o acesso à internet pelos indígenas é restrito, procure-os com antecedência.

A subida é íngreme, apesar de curta. O caminho é quase uma escada natural feita com as raízes das árvores, sempre caminhando pela sombra. Ao chegar ao topo do monte não há um mirante enorme, há uma vista lateral para o norte e outra para o sul e uma vista para o leste, de onde é possível avistar a praia. Inicialmente parece desconfortável não conseguir enxergar tanto, mas isso indica que a mata foi protegida e não completamente retirada para a construção de um mirante.

Na descida do monte fomos visitar duas grandes árvores, uma juerana e um jatobá. Difícil dizer sem colocar as árvores lado a lado, o que seria impossível, mas o jatobá parece ser uma das árvores maiores que já vimos.

O seu largo tronco e os seus “dois andares” indicam que essa árvore já viu muita coisa acontecer: seria tudo plano e o rio cavou um lado da árvore? Seria tudo plano e um desmoronamento de terra cobriu parte dela? Seria inclinado desde o início? Independente das respostas, que provavelmente não teremos certeza nunca, a imponência e força de uma árvore centenária é evidente e gratificante.

Existe a possibilidade de cruzar o parque todo de carro ou a pé. Na época que fomos chovia muito, o que não nos atraiu para uma travessia de 2-3 dias sem certeza de como voltar. E ir de carro tampouco nos traria tanta visão adicional, a menos que pudéssemos parar em uma das aldeias do caminho, o que é possível, mas optamos por fazer diferente.

Corumbau abriu a possibilidade de visitação aos mangues

Fomos para Corumbau, como é conhecido hoje, ou Corumbaú, como era grafado antigamente. É um distrito de Prado, a mesma cidade onde encontra-se o Parque Nacional do Descobrimento, mas chegar lá não é tão fácil. Há um longo trecho em terra. Em boas condições, mas nunca tão boas para quem viaja com um trailer. Corumbau fica fora da área do parque, o rio é o limite. Cruzando o rio há uma aldeia indígena e são eles que fazem a travessia em canoas e os passeios em buggy, ou bugue, até Caraíva.

Fomos lá para entrar no rio, para ver o mangue e idealmente avistar o Monte Pascoal. Esse trajeto é procurado por poucos, mas é feito mais ao final do dia para aproveitar o pôr do sol e o retorno sob a luz da Lua e das estrelas. É uma imersão no mangue, observando suas diferentes formações, sua relação com os caranguejos e com as aves que lá habitam ou circulam em busca de comida.

Os mangues são ecossistemas aparentemente simples e pouco aproveitados para o turismo. No entanto, é lá onde os peixes e crustáceos se reproduzem, voltando depois aos mares. E os mangues também representam uma defesa natural das marés e inundações. Cada vez mais sua importância tem sido estudada e mensurada.

https://blogs.worldbank.org/endpovertyinsouthasia/mangroves-and-coastal-protection-potential-triple-win-bangladesh

Chegando ao ponto final, o Porto da Onça, desembarcamos e caminhamos pelos remanescentes de restinga até avistar o monte. A volta foi a parte mais interessante, sob o luar e com as histórias que o Sebastião Pataxó vinha nos contando sobre a cultura, a relação com a natureza, a comunidade e a família do seu povo.

Corumbau é um belo destino para veraneio, com menos badalação, mas com uma boa estrutura, se comparado a Caraíva ou Trancoso. Há uma ponta de areia que invade o oceano na maré baixa, criando um espetáculo à parte.

Caraíva traz um misto de sensações

Quando chegamos a Caraíva, que fica dentro do parque, diferente de Corumbau, tivemos alguns choques positivos e negativos. A travessia é feita somente de barco, dando a ideia de que chegávamos a um local exclusivo e de difícil acesso. Nos perguntávamos como toda aquela infra-estrutura hoteleira e de restaurantes alto padrão havia conseguido atravessar de barquinho. Parecia que havíamos chegado a um paraíso.

Mas nada se falava do parque nacional, nem de forma estimulada, perguntando até para quem trabalha na associação o desconhecimento foi completo. A pontinha de Caraíva fica na área do parque nacional, mas não é terra indígena. Ao cruzar para a terra indígena vimos por onde chega tudo: há não somente uma estrada que chega a Caraíva, como uma cidade crescente a olhos vistos e sem qualquer vestígio de conforto colada ao paraíso.

Não temos dados de quantos visitantes vão a Caraíva anualmente, mas parece certamente são muitos. Grandes festas, hotéis com piscina beira mar, restaurantes com preços e cardápios comparáveis aos mais sofisticados de São Paulo.

Nos parece um volume de pessoas excessivo para garantir a proteção do ambiente. Vimos muitas placas de “proteja a restinga”, mas que foram colocadas para proteger faixas de meio metro em frente às casas e hotéis que foram construídos em cima da restinga.

Não nos impressiona ver que quem visita Caraíva não sabe que está numa unidade de conservação. Não sabemos como tomou essa proporção e tampouco como o desordenamento poderá ser revisto.

Quem estiver lendo, favor não nos leve a mal: não temos nada contra um balneário de alto padrão, nem com quem frequenta Caraíva. Nos choca ver que tanto dinheiro circula por ali e saber que absolutamente nada disso é revertido ao parque nacional, onde poderia ser desenvolvido um ecoturismo, educação ambiental e conservação. Poderia ser discutido o ordenamento do turismo.

Precisamos rediscutir como sociedade como reconduzir esse local a ser uma efetiva unidade de conservação

Novamente nos embrenhamos no mangue. Não foi tarefa fácil alugar um caiaque (seria mais fácil alugar uma lancha), mas conseguimos e fomos rio acima. Novamente explorando a vida que havia por lá, mas vendo que havia algo esquisito: a faixa de mangue ficava cada vez mais estreita.

No dia que visitamos o Porto do Boi para realizar uma experiência com os Pataxós que nos deparamos com a realidade de Caraíva. Saímos a pé da “bolha”, caminhando pelo sol quente e poeira levantada pelos imensos caminhões que abasteciam Caraíva.

Não cruzamos um único buggy, e depois tomamos conhecimento que eles faziam outro caminho, num quase “cenário” de mata nativa, tirando os turistas da realidade local. Era esse avanço que estreitava o mangue, com inúmeras construções acontecendo o tempo todo.

A Reserva Porto do Boi foi tudo ao contrário dessa experiência ao sair de Caraíva. Chegamos a uma mata fechada onde os indígenas realizam seus rituais e também atividades turísticas. Logo na chegada nos foi oferecido um banho de ervas e uma pintura corporal. Os sons e cheiros já nos ambientavam até que fomos caminhando até o rio.

No retorno participamos de uma palestra sobre cultura, história, comida, relação com a natureza. Pouco conhecemos hoje dos indígenas, mas toda vez que temos a oportunidade de trocar ideias vemos que somos bastante ignorantes sobre eles. É difícil saber até o que queremos perguntar, então observamos e ouvimos.

A vivência passa por uma dança de roda, na qual fomos convidados a participar e mostra o encanto e força do canto em comunidade. Logo depois fomos convidados para comer o peixe cozido na folha de patioba acompanhado de farofa e banana.

https://www.caraiva.tur.br/reserva-porto-do-boi/

Podemos parecer excessivamente críticos, mas nossa intenção é das melhores. Recomendamos aproveitar a visita ao sul da Bahia para conviver com os indígenas, aprender sobre as necessidades e desafios da conservação, observar o impacto que cada um de nós gera em suas decisões. Caraíva, novamente, é uma delícia, um charme, muito conforto. Pode ser combinada com cultura, com natureza e conservação.

Quem sabe não conseguimos que esse multiverso torne-se um universo?

No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:

2 comentários em “Parque Nacional do Monte Pascoal: o parque multiverso

  1. Felipe de Carvalho Rocha says:

    Dennis. Td bem? Iremos em janeiro 2023 para Caraíva. Texto com riqueza de detalhes, com uma abordagem especial referente a necessidade de promover a proteção ambiental da região e a visitação ao Parque Nacional.

    • dennishyde says:

      Valeu demais, Felipe. Com certeza vão adorar. As dicas nunca são 100% completas, sempre a experiência adiciona mais um pouco. Vamos ficar aguardando notícias para você nos contar como foi. Um super ano para vocês. Abração!

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