Que fácil e que difícil é falar deste icônico, imenso, belo, complexo e importante parque nacional

Este não é um parque, são vários parques em um. A Canastra não é uma serra, são várias. Nos complexos de cachoeiras é raro haver uma para visitar, há sempre uma sequência, um cardápio de cachoeiras. Neste parque não há “só” cachoeiras, há nascentes, campos, mirantes, observação de fauna, diversas fitofisionomias de cerrado. Aqui não há somente um tipo de turismo, há vários, para todos os gostos (infelizmente até alguns ilegais). O turismo vai além da natureza, há queijo envolvido.

Ao mesmo tempo, onde quer que você vá, vai encontrar a hospitalidade mineira no seu esplendor, aquela receptividade de avó, aquele sorriso genuíno, café quentinho, pão que queijo, dedinho de prosa.

A vontade mesmo é se mudar para lá e visitar esse parque inteiro, o que deve levar pelo menos um ano! Tivemos em duas semanas uma bela imersão com excelentes companhias, mas não temos qualquer pretensão de ser exaustivos sobre este parque. Como dissemos, não será um parque fácil de descrever, faremos nosso melhor!

Vamos começar descrevendo o parque utilizando a imagem do mapa abaixo

Sua área é imensa e cobre duas grandes serras: na parte superior do mapa está a parcela conhecida como Chapadão, na parte inferior a Babilônia, também o vale da Gurita.

O Chapadão é uma área totalmente regularizada fundiariamente, o que significa que há gestão e controle dos atrativos por parte do ICMBio. Nessa parte do parque hoje não há cobrança de ingresso, mas há controle de horários e ordenamento uniforme. Essa área do parque é melhor acessada por São Roque de Minas, Vargem Bonita e Sacramento.

No restante, com exceção do Complexo Paraíso, é área de parque que hoje ainda pertence a particulares, há diversas estradas que levam a atrativos como cachoeiras, mas cada um com sua regra. Ou seja, é parque nacional assim como o Chapadão, mas as regras não são uniformes. Essas áreas são mais facilmente acessadas por Delfinópolis, Capitólio e São João Batista do Glória.

Há estradas que cortam o parque inteiro, a movimentação pode ser feita internamente (na parte regularizada de acordo com os horários do parque 8h a 16h para entrada, com saída até 18h), mas prepare seu 4×4 e conte com um guia que te oriente não somente no caminho, te conte sobre a flora, fauna, história, importância e questões do parque.

Há pessoas altamente capacitadas e engajadas, voluntários e conhecedores do parque como o Hélder (@helder_canastra), que nos apontou lugares que não teríamos encontrado sozinhos e nos refinou o olhar para observarmos ainda mais a beleza e importância do parque.

O Complexo Paraíso é uma área já regularizada fundiariamente e onde há uma permissão especial para funcionamento de uma estrutura de receptivo a turistas. Havia uma estrutura privada antes da regularização que poderia ser sucateada caso não fosse utilizada.

À medida que o parque hoje não tem uma concessão de gestão de uso público, essa foi uma forma brilhante encontrada e implementada para permitir a conservação do meio ambiente e proteger a infra-estrutura existente.

Há também outra forma de enxergar o parque. Há, tanto no Chapadão quanto na Babilônia, campos de cerrado belíssimos e ricos em biodiversidade e fauna. É neles que as águas correm e formam os campos de murundus, por onde vertem as nascentes (https://guiaecologico.wordpress.com/2018/11/16/voce-sabe-o-que-sao-os-campos-de-murundu/).

Para nós leigos, parece um equivalente a veredas, que ocorrem mais ao norte no cerrado, mas que parecem cumprir funções similares. No Chapadão, onde a área está regularizada desde os anos 70, nota-se uma conservação bem maior, mais biodiversidade, menos impacto, mais fauna. Da Babilônia há belos mirantes para apreciar o nascer ou pôr do sol.

E, nas paredes desses chapadões correm rios que formam belíssimos complexos de cachoeira, para todos os lados. Não temos como descrever todas, até porque seria impossível termos visitado tudo. Nossa recomendação é aproveitá-las ao máximo, não há mais bela, não há mais alta.

Você pode optar por andar menos ou mais, por subir menos ou mais, por se deslocar mais ou menos de carro. A beleza estará lá, basta se abrir para apreciá-la e não ficar pensando que ao visitar essa cachoeira você ainda não visitou outras centenas.

Antes de descrever o que vimos e visitamos, vamos falar sobre o que sentimos ao visitar este parque

É um parque nacional do bioma cerrado mais próximo de São Paulo, ainda assim pouco falado e conhecido por lá. O termo Canastra é mais remetido a queijo que ao parque em si. Cruzar as represas do Rio Grande e perceber a mudança de Mata Atlântica para Cerrado é incrível.

Muita gente visita Capitólio para realizar passeios de barco pela represa e poucos seguem adiante para conhecer a importância e beleza desse parque. Ainda assim, o número de visitantes do parque sofreu uma queda depois do acidente ocorrido em Capitólio no início de 2022. Ou seja, há muito espaço para mais visitação.

Os números de visitação são relativos à parte regularizada fundiariamente, ou seja, a área total do parque é visitada por muito mais que 100 mil pessoas ao ano.

É um parque relativamente antigo, o que garantiu a preservação do bioma no qual está contido. Isso fica mais evidente quando se visita e compara o Chapadão e a Babilônia, esta com menor conservação por ter menor gestão do ICMBio.

O fogo é cultural nessa região, há pouco menos de 10 anos o ICMBio alterou sua forma de gestão do fogo, realizando queimas prescritas, mais brandas e em períodos mais úmidos. Isso permite que o solo tenha menor impacto da queima, a fauna tenha tempo de se deslocar e ainda assim a área seja protegida de grandes incêndios.

Acreditamos que o ideal seria que não houvesse qualquer ignição de fogo nas proximidades do parque, mas a gestão percebeu que, dado que o fogo ocorre, é necessário lidar com ele a esperar que ele não ocorra. Parece ser uma boa prática para ser levada a outras unidades de conservação onde o fogo é cultural.

Na área da Babilônia, onde não há controle de acesso, ocorre hoje uma divergência de opiniões sobre os motociclistas que realizam trilhas danificando os campos. Os campos são muito sensíveis e poucas passagens por cima deles cria danos irreparáveis.

Alguns proprietários acreditam que os motociclistas trilheiros (neste caso sem placa) trazem benefícios econômicos, enquanto outros acreditam que trazem muita destruição. Não há consenso, mas há discussão sobre o assunto. Esperamos que qualquer que seja o consenso, que leve em consideração que essa área existe para ser conservada e que qualquer atividade seja regulamentada de acordo com esse princípio.

Vamos então aos pontos que visitamos. Vale lembrar que não é possível visitar o parque inteiro em duas semanas. Optamos por fazer da nossa experiência neste parque o mais diversa possível, mas não temos a pretensão de ter um guia do que fazer e o que não perder neste parque.

https://www.icmbio.gov.br/cemave/destaques-e-noticias/135-pato-mergulhao-mergus-octosetaceus-embaixador-das-aguas-brasileiras.html

Chapadão: Parte Alta

Começamos nossa visita pela parte alta, cruzando os belos campos de cerrado até a parte alta da cachoeira Casca D’Anta, passando pela nascente histórica do Rio São Francisco e percorrendo a trilha do Cerrado na saída.

Os campos de cerrado são repletos de capins, o destaque fica para o capim flecha, que tem esse nome pelo formato e tem uma cor amarelada que fica ainda mais bonita na hora dourada do cerrado, logo antes do pôr do sol. Ele esconde os enormes cupinzeiros e muito da fauna local. É necessário ficar muito atento e procurar visitar nos extremos do dia para conseguir avistar. Por pouco perdemos o lobo guará, mas fomos presenteados com o avistamento de um tamanduá-bandeira.

A nascente do São Francisco é chamada de histórica porque em 2002 verificaram que a nascente geográfica, de onde vem o maior fluxo de água e na maior distância, não ficava ali, mas em Medeiros, no rio Simburá, mais ao norte. Ficou a fama e a beleza de poder se aproximar do local de onde jorra água que percorrerá mais de 2.800 km até desembocar no mar na divisa entre os estados de Sergipe e Alagoas. Impressionante o que esse rio carregará de sedimentos, energia e história ao longo de todo esse trajeto.

Chapadão: Casca D’Anta

Antes da chuva forte fomos até a parte alta da Casca D’Anta, onde há um poço perfeito para banho nas águas do Velho Chico. Ali também há um mirante para o lado da Babilônia e do vale entre os dois principais chapadões. No entanto, de lá não é possível avistar a queda da cachoeira, que tem mais de 180 metros. Não há consenso sobre a origem do nome da cachoeira.

Há mais de 100 anos não há registro de antas nesta região, mas acredita-se que seja pela presença de árvores com o mesmo nome, onde as antas se esfregavam para cicatrização, dadas as propriedades da casca. Outros acreditam que seja a abreviação de Cachoeira das Antas. Fato que há muito as antas não estão nesse local, bem como as árvores.

A Casca D’Anta também pode ser acessada por baixo, através de uma trilha de cerca de 1km até o poço onde chega sua água. Nesse ponto é possível admirar a cachoeira por completo, ver a fenda de sua queda lá em cima e o vapor que a água cria ao chegar ao poço. Convém ir preparado para levar um banho de água, pois os ventos mudam e espalham esse vapor para todos os lados.

Também é possível realizar a trilha que liga as partes baixa e parte alta da cachoeira, com cerca de 12km ida e volta. É uma trilha íngreme, mas bem sinalizada e cheia de pontos para avistar a cachoeira e as demais formações no Morro do Carvão e Babilônia. Além disso, é ali que brotam as retorcidas árvores do cerrado e as flores, como as sempre-vivas.

Chapadão: Cachoeira da Parida

Também atravessamos a chamada parte alta do parque da portaria 01 até a portaria 03 para visitar a cachoeira da Parida. O caminho é longo, mas compensa por passar por diversas fitofisionomias de cerrado, como campo limpo, campo sujo, cerrado strictu sensu (árvores retorcidas e mais altas), campos de murundus (por onde verte água).

A cachoeira da Parida é escondida no final de um cânion. Para acessá-la o caminho começa já nadando, cruzando um poço. Depois de uma escalaminhada, cruzamos um belo cânion até chegar às suas duas imponentes quedas, num lugar belíssimo.

Vale ressaltar que as cachoeiras deste parque e entorno estão muito próximas às nascentes e sujeitas a cabeças d’água. Converse com o seu guia e com o pessoal local sobre quais formações são mais arriscadas para que você possa sair da cachoeira caso verifique uma nuvem preta onde há risco de recarga das nascentes.

As portarias do parque contam com simpáticos e conhecedores vigias, pessoas que ali trabalham há décadas e podem orientá-los sobre as belezas e riscos dos locais visitados. Aproveite esse momento para conhecer mais do parque pela experiência de quem vive lá, é muito rico.

Chapadão: Cachoeira das Lavras e Poço das Orquídeas

Próximo a Vargem Bonita também há acesso a diversas cachoeiras na beirada do parque. Escolhemos duas para visitar e não nos arrependemos. O Hélder nos deu a dica da Lavras, vimos que poderíamos combinar com uma caminhada maior até o Poço das Orquídeas, então lá fomos nós, sem ter visto fotos antes. Sabemos que esses lugares serão lindos, a surpresa de chegar a um lugar totalmente inesperado agrega à nossa experiência o elemento surpresa.

O Poço das Orquídeas é rodeado de uma belíssima mata e tem seixos brancos no fundo, dando uma coloração esverdeada à água. A queda pode ser observada desde a prainha ou desde o fundo da cachoeira, passando por trás dela a nado.

A Lavras em uma trilha ainda mais curta, cerca de 1,5km e permite que se sente na pedra recebendo a massagem de água nas costas, além do fundo poço para entrar de corpo e alma nas cristalinas e puras águas.

Babilônia: Poço do Zozote

O termo Babilônia está relacionado ao formato de arcos que essa serra tem, remetendo aos arcos de sustentavam os jardins suspensos. O formato e o contraste que os arcos da serra geram entre luz e sombra são realmente lindos e de um tamanho fora de proporção. Circular pela Babilônia é possível, mas nem sempre fácil, pois as estradas podem estar em estado ruim.

O poço do Zozote está bem escondido no meio da serra e dificilmente conseguiríamos voltar lá sozinhos. É um verdadeiro oásis, a nascente está alguns metros acima do poço de águas esverdeadas e nada geladas. Durante o verão, por conta do alto volume de chuvas, este poço fica com a água mais barrenta, neste época estava perfeita a combinação de transparência e tempo quente.

Babilônia: Cachoeira do Quilombo

A cachoeira do Quilombo é um dos pontos mais visitados pela imponência da queda, um volume que se concentra em um tubo, criando belas formações ao longo dos anos. Há uma trilha lateral de onde é possível ter acesso a banho em alguns pontos e também apreciar a vista dos campos.

Pena que algumas pousadas decidiram desmatar os campos de cerrado e construir seus chalés com vista para a cachoeira. Tanto porque danificaram de forma irreversível e permanente os campos quanto a vista de quem está nas cachoeiras. Algumas chegaram a replantar árvores para “compensar” o desmatamento, mas essa conta não fecha.

Complexo Paraíso

Este complexo tem uma relação bastante particular e pode tornar-se um bom exemplo de gestão para outros parques. Quando a área do complexo Paraíso, bem próximo a Delfinópolis, foi indenizada, o ICMBio assumiu a gestão desse atrativo. No entanto, o ICMBio não recebeu recursos para contratar servidores adicionais para gerir o uso público desse local.

Em outras situações, como no Faxinal do Beppe no Parque Nacional de São Joaquim, isso levou a uma depredação do patrimônio agora público, além de um desordenamento do turismo na região, que agora vem sendo revisto. O Parque Nacional da Serra da Canastra não tem uma concessão de uso público, mas realizou uma permissão especial para que o atrativo tenha seu uso público gerido por uma empresa, o que pode tornar-se uma alternativa viável para outros parques.

O complexo tem pousada, banheiro, restaurante, redário, estacionamento gratuito e oito cachoeiras ligadas por trilhas bem demarcadas, cada uma mais bonita que a outra (http://pousadacachoeiraparaiso.com.br). Optamos por passar a maior parte do tempo na Triângulo e na Vai Quem Pode, mas não há regra. Só de chegar até a mais próxima e de mais fácil acesso, a Paraíso propriamente dita, já vale o passeio de um dia.

Além de conservar o meio-ambiente, aqui as normas de visitação ao parque nacional aplicam-se, o patrimônio está bem preservado e a sociedade colhe seus benefícios presentes e futuros.

Complexo Palmito

O Complexo Palmito (@complexo_pontos_palmitos_) fica no fundo do Vale da Gurita e é gerido pela família da dona Fátima e seu José, que estão na região há mais de 44 anos. Ali há duas cachoeiras, a Água Limpa, onde há um belo poço que pega sol por volta das 11h, tornando a cor da água azul turquesa, e a Cristal, preferida pelas crianças por ter um belo poço com menor profundidade.

Novamente, não há preferências, há experiências. As trilhas são de fácil acesso e permitem que você circule entre ambas. Mas o melhor de tudo é poder passar o dia apreciando os sons da natureza e a mudança que a luz do sol causa nesses poços.

Complexo Santa Maria: Recanto da Paz

Nossa despedida desse belo parque não poderia ter sido melhor, fomos conhecer as cachoeiras do Complexo Santa Maria (@recantodapaz) acompanhados da Camilla da @pousadatrilhasdeminas, que junto com a Anabel nos recebeu tão bem. Perdemos a conta de quantas cachoeiras visitamos lá, mas começamos pela Santa Maria propriamente dita e suas pedras que permitem ir até atrás da queda d’água para se banhar e observar a cachoeira ao contrário.

Seguimos para o Poço encantado, cujo nome já descreve e depois descemos para a cachoeira do Cajado. A descida é íngrime, mas bem sinalizada e cheia de cordas de segurança para evitar escorregões. Chegando embaixo, passamos por um cânion cheio de juçaras e xaxins, além de musgos nas paredes, que levava a uma queda de cerca de 80 metros, suave e com um fundo poço. Quaisquer palavras serão insuficientes para descrever a sensação de estar lá, deixaremos as fotos tentarem fazer juz.

No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:

6 comentários em “Parque Nacional da Serra da Canastra – o parque plural

  1. Lais says:

    Estou conhecendo o Parque agora e ler o relato de vocês está deixando a minha experiência ainda mais rica. Inclusive, que olhar respeitoso e generoso vocês têm pelos parques e tudo o que os envolve. É um prazer imenso ler vocês!

    • dennishyde says:

      Olá Anna, tudo bom? A época mais seca, começando em abril, tende a ser mais favorável à observação de astros. As noites são mais longas e faz mais frio, mas vale a pena. Infelizmente não tenho uma indicação certeira, mas na Pousada Paraíso você pode pernoitar dentro do parque, vale a pena falar com eles: https://pousadacachoeiraparaiso.com.br/ ou +55 35 999203444. Abraços

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