Imagine um Parque Nacional próximo a uma grande capital e a um aeroporto internacional, com três portarias de fácil acesso (não requer um carro especial), próximas a uma cidade com pousadas e restaurantes, com diversidade de atrativos, cachoeiras lindas e com excelente balneabilidade, trilhas bem demarcadas, mapas entregues na entrada. Parece ser o parque ideal, não é?
Sim, encontramos um parque ideal para quem nunca visitou um. Este pode ser o primeiro parque a ser visitado para quem nunca teve a oportunidade de visitar um.
É o parque pão com manteiga: fácil, gostoso e bem feito
Para aqueles que buscam um tempero a mais, pode ser que busquem e não encontrem. Nós buscamos e encontramos! Bem-vindos ao Parque Nacional da Serra do Cipó: a 100km do centro de BH e 80 do aeroporto de Confins (internacional de BH). Fundado em 1984, o parque fica próximo a Santana do Riacho, mas tem acesso por outras cidades também. São três entradas oficiais do parque, onde você recebe orientação, pode estacionar gratuitamente dentro ou na rua logo antes da portaria: Alto Palácio, Retiro e Areias, mas há quem acesse por outros locais. Em uma dessas entradas, Areias, está a sede administrativa do parque e há aluguel de bicicletas (R$50/dia a simples e R$70/dia a mais completa) para visitar o parque. Também há um serviço de charretes em Areias, mas não consultamos o preço.
O que saber e fazer antes de ir à Serra do Cipó
- O parque tem três portarias, mas não há cobrança de ingresso
- O acesso às portarias Alto Palácio e Retiro são por estradas pavimentadas; Areias por uma estrada de terra em ótimas condições, não precisa de 4×4
- Travessias e pernoites somente com autorização do parque e em locais pré estabelecidos
- O parque tem um “cardápio de atrativos”, que é bem completo e seguro; há ainda mais atrativos fora do cardápio, o parque não deixa claro se são permitidos ou bloqueados (a princípio são permitidos e bastante frequentados)
- Para chegar ao parque você precisa ir para Santana do Riacho, que fica a uns 100km de Belo Horizonte
- Nenhum dos atrativos requer guia obrigatório
- No parque não há restaurantes, lanchonetes, somente em Areias há banheiros e bebedouros
- Há diversos restaurante / lanchonete / hotéis / pousadas na região, bem próximos às portarias
- Não arrisque tomar água de rios e cachoeiras que estão na parte baixa do parque, pois há bastante gado na parte alta, onde são as nascentes (ninguém nos falou isso, mas foi o que sentimos)
Cipó vem do tupi guarani “iapó”, que significa rio que alaga
Nosso primeiro roteiro foi a travessia de Alto Palácio até Cabeça de Boi. Foram 60km percorridos em quatro dias, acampando ao lado de casas que são hoje usadas por brigadistas como refúgios: Casa de Tábuas e Casa dos Currais. Na Casa de Tábuas não havia mais ninguém, então pudemos usar o fogão a lenha para nos aquecer e cozinhar. Na Casa dos Currais havia um grupo de cinco brigadistas (eles revezam os grupos uma vez por semana, cada um fica uma semana direto lá). Como essa é a casa deles, nos permitiram usar o fogão a lenha para facilitar na cozinha, mas não usamos a estrutura da casa.
Foi uma grata surpresa participar um pouco do dia-a-dia dos brigadistas, eles trabalham em equipe o tempo todo!
Os brigadistas acordam bem cedo e vão ao campo fazer aceiros (espaços entre a mata para, caso pegue fogo, o mesmo não se alastre tanto) e observar se há algum foco de incêndio. Cuidam também dos cavalos que usam para chegar até a Casa dos Currais, dado que eles precisam levar absolutamente todos os mantimentos, além de colchões, cobertores, roupa e a comida dos cavalos. A maioria vive a 3 horas a cavalo desse ponto.
Foi interessante observar o companheirismo e a colaboração entre eles em absolutamente tudo. Não há energia elétrica ou gás, logo nós tomamos banho frio ao lado do rio. Mas como os brigadistas passam uma semana lá, encontraram uma forma de aquecer a água em latas no fogão a lenha e despejar essa água em um balde que vai até um chuveiro a uns 4 metros da cozinha.
Não dá para jogar a água e estar embaixo do chuveiro simultaneamente, então eles se ajudam mutuamente num ritual diário em volta do fogão: um esquenta a água, um faz café, um prepara o jantar, outro está no banho, outro terminando de se arrumar. E assim fazem turnos. Disseram que preferem ficar acordados até um pouco mais tarde ao lado do fogão para a noite passar mais rápido. Afinal, na última noite em que estivemos lá chegou a gear.
A travessia foi uma atividade difícil dado que levávamos muito peso, mas muito prazerosa, à medida que íamos pela crista das montanhas em paisagens incríveis e sem qualquer sinal de civilização. Todo dia tomávamos banho gelado no rio ao chegar ao acampamento, o que tem uma ação regenerativa, ajuda o corpo a se recuperar da longa caminhada. As conversas ao longo das trilhas seguiam na hora do jantar, as pausas nas trilhas tendem a ser mais longas que em uma trilha de um dia, aprendemos a apreciar um cafezinho junto com o lanche de trilha.
No primeiro dia passamos por pinturas rupestres e pelo famoso Vale do Travessão, que são dois paredões impressionantes e que podem ser vistos de outros pontos do parque, vimos nas caminhadas a partir das portarias Retiro e Areias.
No segundo dia fomos bem ao centro do parque, passando por vales e cruzando rios e brejos. No terceiro dia fizemos um bate-e-volta até a cachoeira Braúnas, que não está no circuito básico do parque e tem acesso difícil a partir de uma das três portarias, mas tem uma força impressionante. No caminho passamos por diversos campos de Sempre-Vivas! No último dia, antes de sair do parque, passamos por uma região de florestas e diversos rios, chegando ao povoado de Cabeça de Boi.
Pela portaria Retiro fomos a três atrativos do cardápio e dois adicionais, aos mais aventureiros
A portaria do Retiro te leva ao vale do rio Bocaina até a cachoeira do Tombador. Pelo caminho você avista o vale do Travessão ao fundo quase o tempo todo e passa por mais duas cachoeiras: Gavião e Andorinhas (para esta há um pequeno desvio). O início do caminho não é empolgante, e olha que fizemos essa trilha três dias seguidos! Começa em uma estrada pavimentada e segue por uma estrada de terra. Ali residem algumas pessoas que aguardam a regularização fundiária, inclusive realizando atividades como criação de gado. Não somos ninguém para julgar, sabemos que trata-se de uma questão antiga e que é muito difícil de solucionar.
Os atrativos do cardápio são excelentes, bem sinalizados e já valem a visita
Também fomos um dia à cachoeira da Farofa de Cima e outro até a Congonhas. A Farofa de Cima tem alguns poços lindos e excelentes para banho, mas o caminho praticamente não tem sombra, vá preparado com chapéu e água! O caminho para Congonhas é um pouco mais curto, mas há uma subida que vai por uma semi-parede com pedras que rolam para baixo à medida que você sobe. É preciso ir com calma para não escorregar e não se cansar logo no início. A vista compensa todo e qualquer esforço de subida (e de descida, que também não é fácil). Como a bifurcação fica próxima à cachoeira do Gavião, recomendamos parar ali para dar uma respirada e, talvez, refrescada.
E, para quem for até a cachoeira do Tombador, lá no final do vale, veja que o poço e a queda que você vê na chegada não é tudo! Há um outro poço e outra queda logo um pouco mais acima que vale a pena conferir!
Se você busca algo além, vai encontrar, mas precisa procurar bem! E ir bem equipado com GPS!
Pela portaria Areias visitamos o Canion das Bandeirinhas, a cachoeira da Farofa (de baixo), a cachoeira do Capão dos Palmitos, o circuito dos Lagos e o Mirante. Isso tudo em dois dias. Nessa portaria é possível alugar bicicletas, que te levam mais rápido até o Canion (são 12km ida e 12km volta, 28km no total se você passar na Farofa). Mas não se iluda, o chão é de areia, você cruza alguns rios e muitas vezes precisa desmontar para seguir. Tanto no Canion quanto na Farofa há onde parar a bicicleta e seguir a pé, sendo que no primeiro você precisa cruzar um rio na altura dos joelhos. Não há alternativa sem molhar os pés, entregue-se a essa experiência deliciosa!
No Canion dá para passar um dia inteiro: observar, entrar na água, ficar no sol, na sombra, explorar, ler, comer. Logicamente não há qualquer comércio lá, então aproveitamos que fomos de bicicleta (cerca de 1h pedalando) e levamos mais peso (canga, livro, comida) para ficar mais tempo por lá.
A cachoeira do Capão dos Palmitos não nos empolgou. O caminho é bem bonito e passa em uma área de cerrado bem característico, mas o poço onde cai a cachoeira tem restos de fezes de cavalos, não nos pareceu um bom lugar para sentar e admirar. No entanto, o poço em cima da cachoeira é lindo e limpo. Dali é possível ter uma visão ampla da serra, e no poço você nada com os peixinhos. Achamos que são piabas, daquelas que beliscam de leve vez ou outra.
Ir a um parque nacional é ter uma aula a céu aberto: biologia, geografia, história, física, química…
O circuito dos lagos tampouco empolgou, tem 1km de extensão e vimos apenas uma lagoa. Mas dali vimos um mirante de madeira e fomos para lá apreciar a vista 360 graus do parque, e que coisa mais bonita. Estávamos com um amigo biólogo e uma amiga geógrafa, que nos ensinaram tanto sobre aquele local, que pensamos que bacana seria ter aulas de biologia, história, geografia etc em um local como esse! Além de agradável, você fica inserido no tema da própria aula!
No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:
Meus agradecimentos aos brigadistas, trabalho difícil e duro, o companheirismo descrito por vocês aquece o coração.
Gostei da expressão parque pão com manteiga.