Poderíamos ter chamado o Parque da Serra do Gandarela de Parque Caixa D’Água de BH, até porque grande parte da água de BH é proveniente das nascentes que estão nessa serra. Mas a unidade enfrenta discussões sobre a demarcação da área e tem estradas construídas e usadas por mineradoras. Ou seja, ser caixa d’água de BH em si já é uma contradição.

O Parque Nacional da Serra do Gandarela é um dos mais novos do Brasil, fundado em 2104. Fica em MG, a menos de 40km de Belo Horizonte e pode ser acessado principalmente pelas cidades de Raposos e Rio Acima. Apesar de não ter uma entrada, em 2019 foram calculados pouco menos de 2 mil visitantes no parque, o que parece ser bastante aquém do que efetivamente acontece (esse é o número oficial, mas constatamos que não está correto e será inclusive retificado). Cachoeiras como a de Santo Antônio, do Índio e do Viana, além do Circuito das Banquetas, que estão no parque, recebem volumes muito maiores que 2 mil visitantes em alguns meses ou mesmo feriados, sem falar no Poço Azul, que fica dentro de Raposos.

A Serra do Gandarela fica em MG, bem próximo a BH, em uma área importante pela captação e fornecimento de água para a metrópole

Por onde você anda, você vê contrastes

  • Nos números oficiais o parque é praticamente desconhecido e pouco visitado; mas a realidade é que o parque é bastante frequentado principalmente pelos moradores locais e por turistas de BH e região
  • O parque está na zona de transição de dois biomas: Mata Atlântica e Cerrado, o que torna sua flora bastante única. Muitas vezes você se sente em campos de cerrado, com as árvores retorcidas e canelas de ema mais rasteira, logo em seguida você passa por florestas mais úmidas e com samambaias-açu, bem com cara de mata atlântica
  • Vimos muitos eucaliptos, que foram plantados no passado no lugar da vegetação original; entendemos que os eucaliptos não serão retirados, mas tampouco se reproduzem naturalmente ou serão repostos, aos poucos permitirão que a mata original se recomponha
  • Ao mesmo tempo em que o parque está bem próximo a uma grande metrópole, está em uma zona rural onde você se esquece que estamos em 2021
  • A área tem uma importância enorme tanto para a mineração, principalmente minério de ferro, como para armazenamento e como fonte de água para BH
  • O acesso ao parque e dentro do parque é bem fácil graças a diversas estradas construídas e mantidas pelas mineradoras que estão na região do parque

O que saber e fazer antes de ir à Serra do Gandarela

  • O parque não tem entradas e não há cobrança de ingresso
  • Alguns acessos de carro estão sendo bloqueados e parte do percurso precisa ser feito a pé
  • Para chegar ao parque você precisa passar por Raposos ou Rio Acima, que ficam bem próximos a Nova Lima e Belo Horizonte
  • O acesso é à maior parte dos atrativos é por estradas de terra, de boa qualidade
  • Nenhum dos atrativos requer guia obrigatório
  • Há poucos restaurante / lanchonete / hotéis na região, não há nenhum ao lado dos atrativos
  • Não há bebedouros nos principais pontos, mas a maior parte dos rios tem água potável

Gandarela tem origem do termo gândara, que significa terreno arenoso

As cangas são formações presentes na serra que permitem que a água penetre e seja armazenada, são extremamente resistentes no tempo e muito frágeis à ação humana

Nosso primeiro destino foi a Cachoeira de Santo Antônio. O acesso é bem fácil, são uns 10km em estrada de terra a partir de Raposos (não requer 4×4), com mais 3km de caminhada pelo que era uma estrada de carros, depois de estacionar o carro. O caminho não é dos mais bonitos, mas o destino compensa: uma cachoeira imponente, com um poço amplo de água gelada. Depois da caminhada mais árida, entrar na cachoeira é quase uma necessidade, além de ser uma delícia. Vale a pena tomar cuidado e não se aproximar da queda d’água, que é muito forte e pode representar riscos.

Ainda na região da Cachoeira de Santo Antônio, há uma outra cachoeira, batizada pelo dono do camping e nosso guia (já falaremos mais do Gustavo) como Cacheira dos Gatos. O caminho é subindo e cruzando o curso do rio que leva à cachoeira, são uns 40 minutos de caminhada na sombra das árvores. Apesar de bonita, a Cachoeira dos Gatos fica na sombra, então o ideal é ir nela primeiro e depois na Santo Antônio para se banhar.

Também de Raposos, passando pela área da Vale, você pode acessar outras três cachoeiras: Maquiné, Tonhão e do Sol, além do mirante da Serra. A Cachoeira do Maquiné requer uma caminhada de uns 50-100m a partir do local do estacionamento do carro e é uma queda alta e vistosa.

A cachoeira do Maquiné pode ser acessada praticamente de carro

O Rio das Velhas, com muitas nascentes na Serra do Gandarela, é um dos principais afluentes do São Francisco

A Cachoeira do Tonhão requer uma caminhada plana de uns 2-3km, cruzando o rio quase no final. Bem ensolarada, ali é um ótimo ponto para um mergulho.

A Cachoeira do Sol tem um caminho e visual bem diferentes. Para chegar lá, você precisa passar por um campo de cerrado bem aberto e com uma descida mais íngreme no final. O sol não estava presente o tempo todo em que estivemos por lá, mas mesmo assim foi onde mais ficamos, é uma cachoeira relativamente pequena, mas muito bonita, cercada por uma parede verde cobrindo as pedras. Na volta tivemos a vista do que é a montanha onde está uma das maiores reservas de minério de ferro do mundo e fica a dúvida de até quando essa montanha estará por lá. Fica fora do parque, mas na bacia do Rio das Velhas, então ainda há uma incerteza se e quando o minério será explorado e quais poderão ser as consequências.

O mirante é um show à parte. No dia em que fomos a Lua estava quase cheia, e nesse dia ela nascia ao leste enquanto o sol se punha a oeste. Difícil decidir para onde olhar e o que era mais bonito e único. A solução foi ficar virando o pescoço a cada minuto para não perder nenhum dos dois fenômenos.

O parque é muito aproveitado pela população local, algumas trilhas saem dos bairros de Raposos!

Uma trilha bastante fácil e bonita parte da cidade, do bairro das Bicas, e vai subindo o curso das banquetas até o açude e algumas cachoeiras, o chamado circuito das emoções (cachoeiras da Fé, da Coragem, da Gratidão e da Paixão). As banquetas foram construídas no início do século XX para levar água até a cidade de Raposos, acompanhando parte do trajeto da Estrada Real, o caminho de Sabarauçu. Além do valor histórico, você caminha por onde milhares passaram levando ouro até os portos, é bastante agradável caminhar vendo e ouvindo a água passando, acompanhando o leito das banquetas e a vegetação que surge a partir delas.

Fizemos esse caminho duas vezes: na primeira vez, fomos por um caminho bem difícil, que depois soubemos que se chamava galopeira, dada a descida íngreme, seguida de uma subida ainda mais íngreme e sem sombra para contornar as montanhas antes de descer até as cachoeiras. Vale pela vista, mas foi bastante cansativo. Chegamos até uma das cachoeiras do circuito das emoções, mas ficaremos devendo a informação de qual exatamente era ela. Fato que era dia de semana e aproveitamos só nós dois para nos banharmos e almoçar depois de uma trilha bem puxada. A volta também não foi fácil, mas felizmente passamos em uma padaria e depois de um pão de queijo mineiro original estávamos bem recuperados! Na segunda vez fizemos o caminho acompanhando as banquetas até o final, foram cerca de 5km, o que leva 1h20 mais ou menos, por trecho.

A Cachoeira do Capivary fica no meio do parque e tem uma queda de mais de 100m!

Já no “meião” do parque, fomos até a cachoeira do Capivary. Esse percurso é mais de carro que a pé, aproveitamos para ir no dia após a galopeira para descansar as pernas. Essa cachoeira tem mais de 100m de queda e um dos pontos altos é poder visitá-la tanto da parte de cima quanto da parte de baixo. Somente assim para ter a dimensão dela e do volume de água da queda. Isso tudo considerando que não fomos em época de cheia, vimos que no verão o volume de água deve quadruplicar ao que vimos. Foi um dia inteiro dedicado a esse atrativo, mas é daqueles em que você perde a dimensão do seu próprio tamanho e percebe a força e dimensão do lugar onde está.

Catas Altas é uma cidade à beira da Serra do Caraça

Saímos do parque um dia para conhecer um local de extrema beleza e importância da região: Catas Altas. Uma cidade aos pés da Serra do Caraça, que não faz parte da Serra do Gandarela, mas é muito próxima. O grande atrativo está nas montanhas que ficam à frente da cidade charmosa, histórica e onde estava um dos melhores pães de queijo que já comemos. Subimos o Pico da Agulhinha ou Pico dos Horizontes, de onde conferimos uma vista da cidade, das mineradoras, do Caraça e até da Serra do Cipó. Somente lá em cima vimos que o pico onde fomos não era o mais alto da região e é mais estreito que os demais, mas ainda assim super amplo e com uma vista 360 graus de tirar o fôlego. Foram uns 6km ou 3h por trecho, com 1km de elevação. A trilha não é difícil, passa por um samambaial e em geral está na sombra. A parte final não tem sombra e requer um “trepa pedra”, não é possível seguir somente com as pernas para se apoiar. Pelo menos para nós, mas soubemos que algumas pessoas fazem corrida de aventura nessa trilha, além de ser um ponto do pessoal da escalada.

Guardamos o melhor para o final: Circuito das Nascentes do Piracicaba

Apesar de o nome coincidir com o da cidade e do rio Piracicaba de São Paulo, este é outro e fica mais a sudoeste do Parque. Pelo que pesquisamos, o significado em tupi-guarani é “lugar onde o peixe para”, ou seja, um bloqueio à piracema dos peixes. Este destino fica na parte alta do Parque da Serra do Gandarela e fica próximo ao Pico de Capanema, à Floresta de Uaimii, esta não é parte do Parque Nacional. Além de ser uma trilha que permite uma vista de cima em quase qualquer ponto onde esteja, demos sorte com o tempo, que não estava muito quente e nem chovendo. Não há quase sombra na trilha, então em um dia ensolarado por ser árduo percorrer seus 22km (com 1km de elevação) em um dia e um único ponto de abastecimento de água no meio.

Tem um único dia e quer fazer a melhor trilha? Vá para as nascentes do Piracicaba!

A maior parte dos atrativos do parque é acessada pelas cidades de Raposos ou Rio Acima

Além da vista ao longe e dos chamados “ofurôs” na metade da trilha, nos encantamos com as flores de todos os formatos e cores que vimos ao longo da trilha, inclusive sempre-vivas, que não esperávamos encontrar por aqui.

Além dos atrativos, cachoeiras e vistas que tivemos a chance de visitar na Serra do Gandarela, vimos um parque conhecido e utilizado pelo pessoal que mora no entorno e com grande potencial turístico. Fica a dúvida do que será do parque no futuro, dado que está no limiar entre uma consolidação em termos de conservação, mas sua beleza cênica e seus rios estão em risco pela atividade de mineração, que ao mesmo tempo em que ameaça, traz empregos e renda à população hoje.

Ficamos hospedados/estacionados no Camping Gandarela (@camping_gandarela), que fica a uns 5km do centro de Raposos, já na área rural e no caminho da maior parte dos atrativos que visitamos. O Gustavo é o dono do camping e tem um conhecimento imenso da área. Além de ser biólogo botânico, ele é escalador profissional e frequenta a região desde pequeno, muito antes de tornar-se um parque nacional. Ele atua direta e ativamente com o ICMBio e a comunidade para fazer algo de extrema importância, gerando conhecimento, conscientizando visitantes, participando como brigadista em alguns incêndios e nos recebendo tão bem e nos ensinando tanto sobre a história e importância desse local.

No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:

10 comentários em “Parque Nacional da Serra do Gandarela: um parque de contrastes

  1. Iara liscombe says:

    Vou ter que voltar a BH e explorar o Gandarela, lindo demais.
    Eu também não saberia escolher entre o por do sol e o nascer da lua. Fotos belíssimas!

  2. Guilherme Alves says:

    super legal o parque e impressionante a cachoeira do Capivary, entra para a lista dos parques que eu nunca tinha ouvido falar, mesmo passando tanto tempo da minha infancia em Belo Horizonte.

  3. Rogério says:

    Que projeto legal esse, desejo que vocês sejam muito bem-sucedidos! Talvez o Lucas do “Sozinho na Trilha” possa dar importantes dicas, caso vocês passem pelo Morro do Cambirela, em Santa Catarina, pois ele tem bastante experiência no lugar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *