O parque nacional da Lagoa do Peixe é enorme, antigo e o com maior interferência humana dentre os que já conhecemos. O mesmo parque que abriga o berçário de peixes e crustáceos, que é o local seguro para que aves façam uma pausa durante suas migrações, está completamente loteado internamente. Suas trilhas viraram estradas onde não há limite de velocidade. Sua área, inclusive dentro da lagoa e das dunas, está loteada e muitas vezes cercada com eletricidade.

Não há como caminhar nesse parque. De um lado você precisa atravessar campos com búfalos que mudam o curso da água que chega até a lagoa, além de consumir pastagem e poluir a água com seus detritos. De outro você vê o avanço de uma mata invasora, o pinus (https://pt.wikipedia.org/wiki/Pinus_elliottii), que foi introduzido nos anos 80 na região e se espalha com o vento por até 20km.

Conhecemos os desafios do ICMBio em realizar a regularização fundiária das unidades de conservação. Mas transformar o parque em uma terra de criação de pinus e de gado vai além das dificuldades que já havíamos observado.

O Parque Nacional da Lagoa do Peixe pede socorro; por ele e pelo que este contra-exemplo pode representar para os demais parques nacionais

Este parque está no limite, ele pede socorro. E emite um alerta que não pode ser ignorado. Se este parque chegou a esse ponto, pode ser que outros caminhem na mesma direção. Este é um sinal de alerta para este e os demais parques nacionais brasileiros. Precisamos urgentemente reverter essa situação e não perder o pouco que nos resta de biodiversidade no sul do Brasil.

O nome do parque diz respeito à uma imensa lagoa salobra que fica no centro do parque. Essa lagoa tem como fonte tanto os alagados da região quanto a conexão com o mar, a chamada Barra da Lagoa. É por ali que entram peixes e crustáceos para se reproduzir e viver até que possam retornar ao mar. No entanto, a atividade pesqueira dentro da lagoa cria interferências que podem acabar por reduzir drasticamente, ou mesmo exterminar, a vida marinha.

Os grandes atores e atrizes deste parque são as aves

Muitas vivem ali e outras tantas usam a lagoa do peixe como base para descansar e se alimentar no meio de sua migração anual. Se o parque continuar tendo sua área usada para pecuária e cultivo de pinus, além de permitir a pesca, é fato que a população de aves também deverá diminuir.

Tomara que encontrem outros locais de descanso e alimentação, mas isso é pouco provável. Ninguém avisa o maçarico, ao partir da Argentina, que essa lagoa está degradada e que ele deveria rumar por outro lugar. Quando ele chega cansado e faminto, pode ser tarde. A população de algumas aves que passa pela área do parque nacional em sua migração anual caiu mais de 80% nos últimos 15 anos.

O que saber e fazer antes de ir ao Parque Nacional da Lagoa do Peixe

  • O parque possui quatro trilhas oficiais, que são estradas percorridas de carro, uma delas pela praia
  • Recomendamos uso de veículo 4×4 nas trilhas das Dunas e dos Flamingos, que passam por faixas de areia
  • Recomendamos contratar um guia local que indique o melhor local para avistar aves, bem como explique sobre as diferentes espécies e suas migrações
  • O parque tem uma grande parte em dunas, outra em uma lagoa rasa, imprópria para banho, e outra em terra firme
  • Não há como caminhar fora das estradas; a maior parte da faixa em terra é cercada ou possui gado, inclusive búfalos
  • Não há cobrança de ingresso ou controle de acesso nas trilhas
  • A sede do ICMBio fica no centro da cidade de Mostardas e fornece informações sobre visitação e sobre as aves, além de maquetes
  • Não há estrutura como banheiros, restaurantes e lanchonetes no parque
  • Há sinal 4G em quase todo o parque
  • A região do balneário Mostardense e do Farol não pertencem ao parque

Esse parque tem uma importância continental, é por onde passam as aves que vão da Terra do Fogo até o Ártico Canadense todos os anos. Não é à toa que este é um Sítio Ramsar, uma Zona Úmida de Importância Internacional (https://oeco.org.br/dicionario-ambiental/27976-o-que-e-um-sitio-ramsar/).

No entanto, a presença de gado e búfalo consome a mata nativa, que já é quase inexistente, e muda o curso da água, descaracterizando a região dos campos alagados do bioma Pampas.

Este é o único parque nacional no bioma Pampas

Neste parque percebemos que menosprezávamos as aves. Em geral, o furor em ver animais se restringe a mamíferos e outros animais de grande porte. Muitas pessoas sonham em ver onças, elefantes, baleias, jacarés. Mas poucas param para avistar aves. Talvez porque as aves fazem parte do nosso dia a dia mesmo nas cidades, logo acabam desvalorizadas. Talvez porque as aves saem voando rapidamente, antes que possamos tirar uma boa foto delas.

Mas neste parque conseguimos aprofundar no entendimento sobre as aves: como os bicos são adaptados para o que comem, se vivem em grupos ou em casais, de onde vêm e para onde vão.

Visitar este parque nos lembrou de um livro que nos recomendaram, sobre um ornitólogo brasileiro, Johan Dalgas Frisch. Além de ter captado sons inéditos de aves brasileiras, ele realizou pesquisas que mostraram a rota de migração das andorinhas azuis. Ao identificar a rota, ele conseguiu relacionar o aumento do uso de agrotóxicos nos EUA com a redução de áreas de habitat de andorinhas no Brasil. As andorinhas, assim como outras aves, consomem trilhões de insetos ao ano, são um controle ambiental natural: https://folhadomeio.com.br/2006/02/aves165/

A lagoa é muito rasa: 20 cm a 1 m de profundidade

Conhecemos algumas aves que não conhecíamos, como o talha-mar, que voa rente à água, cortando a superfície sem deixar ondas. Ele tem uma grande sensibilidade por dentro do bico, que é fechado assim que toca algum peixe ou crustáceo, tudo isso sem pousar.

Também conhecemos os pequenos maçaricos, aves que chegam a percorrer 32 mil km em um ano. Sua jornada começa na terra do fogo e termina no ártico canadense. Eles têm alguns pontos de parada e chegam a voar 5 mil km de uma vez só, em 6 dias. O mais impressionante é que precisam chegar a Delaware, saídos do Maranhão para se alimentar dos ovos de um caranguejo. Logo, precisam acertar a época em que os caranguejos estarão em reprodução.

Fomos atrás dos flamingos, mas a melhor época para vê-los é no inverno, quando saem do Chile e da Argentina. Vimos alguns, mas muitas vezes o confundimos com o colhereiro, uma ave com cor rosada que tem um bico em formato de colher para revirar o solo em busca de alimentos.

Não foi um parque somente de boas notícias, mas foi importante visitá-lo

Este é um parque com facilidade de acesso para visitação. A dificuldade está em conviver com o estágio de destruição deste parque. Para que isso possa ser revertido, é importante que mais pessoas visitem e vejam o que está acontecendo por lá. Quanto mais vermos o que está acontecendo, mais questionamento será gerado e mais próximos da ação estaremos.

No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:

Um comentário em “Parque Nacional da Lagoa do Peixe – o parque sinal de alerta

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