Anavilhanas é um arquipélago no Rio Negro, pertinho de Manaus. São mais de 400 ilhas, 60% da área é coberta pela água na época de cheia. Na época mais seca formam-se centenas de praias.
Este é o único Parque Nacional que nasceu em outra categoria. Ele foi criado em 1981 como Estação Ecológica e passou a ser parque em 2008.
“Estação ecológica é uma categoria de Unidade de Conservação restrita à pesquisa científica e à educação ambiental, modelo conflitante com a realidade da região, mais vocacionada para o turismo ecológico sustentável. Assim, a mudança facilita o planejamento de programas de visitação e o aproveitamento da infra-estrutura já existente na unidade.”, segundo o ICMBio em 2008.
Pela proximidade a Manaus, ocorria naquela área muita extração de madeira nobre. Troncos mais pesados eram amarrados a madeiras que flutuam e jogados no rio, a correnteza se encarregava de levá-los rio abaixo.
A criação da Estação Ecológica reduziu significativamente essa exploração e permitiu que muita pesquisa fosse feita. Mas o parque fica no meio de muitas comunidades, que ficaram sem alternativa de renda.
Hoje é o parque nacional mais visitado da Amazônia, chegou a ter mais de 40 mil visitantes ano. Novo Airão tornou-se um destino turístico, grande parte da população tem renda proveniente direta ou indiretamente do turismo. As pessoas permaneceram na cidade e no entorno, junto do conhecimento, artesanato e guias.
E não tem nada melhor que navegar e caminhar com quem nasceu na região, contando as histórias, sabendo os melhores lugares para entrar no rio, conhecendo o som dos animais.
Anavilhanas fica pertinho de Manaus, o acesso é pela cidade de Novo Airão, onde é possível chegar em carro por asfalto (há um trecho com buracos, mas em geral leva-se 2h30 a 3h00) e há diversos hotéis e pousadas. Alguns hotéis incluem o passeio, mas é possível contratar um canoeiro. Há quem vá direto de Manaus em barco também, visitando as ilhas mais ao sul.
Rio Negro
Agora que você já sabe chegar, é bom saber que o rio Negro em frente a Novo Airão já é parte do parque nacional, então é só mergulhar e você já está nele.
O rio Negro é próprio para banho, aliás a temperatura da água é uma delícia. Com suas águas escuras, cheias de vida. Precisa tomar cuidado e saber onde entrar, como todo rio, mas é um dos mais fáceis de banhar.
Segundo o ICMBio, “A qualidade do pH da água do Rio Negro e afluentes, que cortam a região, inibe a procriação de insetos como mosquitos e pernilongos, tornando o ambiente ao ar livre especialmente aprazível comparado com o de outras regiões tropicais do mundo e da própria Amazônia”.
Apesar de ser um dos menores parques nacionais do bioma amazônico, o parque é enorme, composto por um arquipélago fluvial de mais de 400 ilhas, além de uma área na margem oposta a Novo Airão que o pessoal chama de “terra firme”.
Terra Firme e Mata de Igapó
“Terra firme” é um termo usado para diferenciar da “mata de igapó”. Esta última fica submersa metade do ano, e isso acontece com 60% do território do parque. Mata de igapó ocorre em rios de água escura, como o Negro. Em rios de águas claras como o Solimões chama-se mata de várzea.
O rio aqui tem mais de 20km de largura e sobe até 16 metros entre a época seca e a época mais cheia. Mais que um prédio de 5 andares! Há mais de 600 lagoas dentro das ilhas.
Apesar da seca extrema que aconteceu em 2023, os canais principais do Rio Negro nunca chegaram a secar. O turismo foi altamente prejudicado tanto pela dificuldade de navegação e abastecimento (bancos de areia e canais que ficaram fechados, exigindo voltas longas), e pela falta de informação de como estava a situação por aqui.
Já na época em que visitamos (dezembro de 2023) o nível do Rio Negro vinha subindo constantemente. Tanto que as praias que visitamos quando chegamos ao parque (início de dezembro), já estavam praticamente cobertas de água nos últimos dias.
O nível do Rio Negro não estava subindo porque havia chovido na sua cabeceira, mas porque o Solimões, alimentado por água de degelo dos Andes, estava subindo rapidamente e “barrando” o Negro, que é menos denso e menos fraco no encontro das águas. É como se o Solimões estivesse segurando o fluxo do Negro, aumentando seu nível indiretamente.
O parque tem uma mudança significativa em paisagem durante o ano
Na época seca, quando surgem as praias, algumas espécies de aves aproveitam para colocar seus ovos na areia. Aqui é sítio Ramsar, de proteção de áreas alagadas e aves limícolas. Também é uma área protegida por ser Patrimônio Mundial da Humanidade.
Durante a seca as trilhas da mata de igapó podem ser percorridas a pé, observando a diversidade de plantas que ficarão submersas no restante do ano. É quando conseguimos ver os imensos macucus, entre tantas outras, do solo até a copa.
Nessa época aparecem também algumas inscrições rupestres, ainda pouco estudadas. Tudo depois fica coberto de água por meses.
Chegamos no início das chuvas, numa época muito propícia a observar fungos. Refizemos algumas trilhas e vimos a diferença.
Para ser mais precisos, recebemos um convite para fazer o micoturismo e justo na época em que fomos os fungos apareceram com toda força e diversidade.
Micoturismo é o termo usado para o turismo de observação da Funga. Funga é um termo que foi proposto em 2018 por alguns cientistas para diferenciar os fungos da Fauna e Flora, a que não pertencem.
O convite estava no formato de livro, um “álbum de cogumelos para micoturismo”. Fotos e descrições de mais de 36 gêneros de cogumelos encontrados na região: nenhum deles é comestível.
O livro pode ser baixado gratuitamente no link abaixo:
Talvez não haja presente melhor que nos mostrar algo novo, abrir nossa cabeça para algo que mal sabíamos nomear. O livro foi feito por pesquisadores que se hospedaram no Anavilhanas Jungle Lodge.
Justo quando chegamos choveu, e o momento não poderia ser mais propício à observação de cogumelos. A cada passo na mata de igapó uma forma, uma cor, um tamanho diferentes.
Em alguns dias, ao refazer a trilha (quem nos conhece sabe que fazemos isso), os cogumelos eram outros, alguns meio comidos, outros já meio murchos.
Não é só esse tipo de iniciativa que o Jungle Lodge apoia. Enquanto estávamos lá, uma dupla de pesquisadoras do Onçafari, uma Associação criada para promover a conservação do meio-ambiente através da preservação da biodiversidade, estava monitorando rastros e imagens coletadas por armadilhas fotográficas de grandes mamíferos.
Como preparação para a época das cheias, participamos de um mutirão voluntário de abertura das trilhas aquáticas. ICMBio, guias e comunitários vão até algumas das ilhas abrir o caminho por onde logo passarão os barcos. Alguns troncos haviam caído, outros cipós haviam crescido por onde em alguns meses passarão diversos barcos com turista. Uma vez que a água sobe fica difícil fazer o manejo.
Pois é, na época cheia, que não conhecemos ainda, as trilhas são feitas de barco, não há praias, mas há muitos flutuantes.
Conhecemos o parque muito bem, serpenteamos as ilhas, nos banhamos nas praias, percorremos trilhas. Mas não parece ser suficiente sem ver a cheia.
Ainda bem que o Anavilhanas é “caminho” para o Parque Nacional do Jaú, onde vamos mais adiante em 2024. Aqui há uma trilha da Rede Brasileira, os Caminhos do Rio Negro, com mais de 630km de extensão em um mosaico que protege mais de 7 milhões de hectares. Já fizemos parte dela a pé, voltaremos para refazer de barco, ver os espelhos d’água e como tudo aquilo ficou submerso.
Esta foi nossa primeira imersão na mata de igapó. Apesar de ser diferente, nos lembrou muito a característica da mata de caatinga.
A mata de igapó passa mais da metade do ano submersa, somente os troncos e copas das árvores ficam para fora. Visitamos na época seca, caminhando pelas trilhas que depois serão feitas de barco e vendo como algumas espécies se especializaram para passar tanto tempo embaixo d’água.
A marca da água nos troncos lá em cima denuncia: é até lá onde sobem os rios. As folhas das plantas que ficam totalmente submersas estão cobertas de sedimentos que desceram o rio na estação cheia. Folhas mais novas já nasceram sem os sedimentos.
Assim como as plantas da caatinga, a mata de igapó especializou-se em armazenar energia para ficar meses sem fazer fotossíntese, submersa em um rio com águas escuras.
Se na caatinga as plantas soltam as folhas no verão para evitar perder umidade e garantir sua sobrevivência, aqui as plantas não perdem folhas. Quando o rio descer, elas estarão na sombra e talvez levariam muito tempo em repô-las e conseguir fazer sua fotossíntese novamente.
A mata de igapó, por ser inundada todos os anos, não tem muita fauna terrestre. Mesmo os mamíferos que nadam bem visitam pouco porque têm pouca comida para eles. Quem mais aparece são as aves, principalmente os papagaios e as araras. Cobras só das não peçonhentas, algumas que vivem nas copas das árvores (onde há comida).
Já na época da cheia tudo muda, os peixes, as ariranhas e os botos tomam conta da área alagada em busca de alimentos, inclusive de frutas que caem nos rios.
Antes de ir a Anavilhanas, a gente tem duas dicas para dar a você. Quando passar em Manaus, não deixe de visitar o Musa e o Bosque da Ciência. Ambos são vinculados ao INPA (Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia) e lá você vai aprender muito sobre a fauna e flora locais. Vamos depois contar mais sobre a visita a eles, é onde a ciência encontra o turismo.
Esta região do Rio Negro tem grandes mamíferos aquáticos, entre eles a ariranha, o boto rosa e o tucuxi. A ariranha é um animal raro de ver. Além terem sido muito caçadas por conta da pele, elas nadam super bem, geralmente aparecem em grupos e fazem movimentos entrando e saindo da água para afastar predadores.
O boto vermelho, conhecido como boto rosa é “o maior dos golfinhos de água doce do mundo, chegando até 2,5 metros de comprimento e 200 Kg de peso” segundo a AMPA (Associação Amigos do Peixe-Boi). Eles são muito flexíveis, conseguem se contorcer para entrar na floresta alagada para pescar.
Pesquisadores do INPA viram que os botos machos competem pelas fêmeas levando um presente: plantas, pedaços de pau e argila que encontram no rio. A fêmea escolhe aquele que leva o melhor presente.
O boto rosa ainda é muito caçado, sua carne é usada como isca para outros peixes (um deles cuja pesca é proibida, mas é realizada para exportação para a Colômbia, o piracatinga).
Muitos morrem em redes ou mesmo conflitos com pescadores, os botos roubam peixes das redes.A lenda de que o boto rosa tornava-se um homem galanteador, engravidando mulheres e depois desaparecendo também fez com que muitos fossem caçados. Hoje, com exame de DNA, os botos correm menos risco de serem julgados como pais de alguém.
Na beira do rio Negro está o Flutuante dos Botos, que atua há 27 anos e desde 2016 regulamentou a atividade e oferece educação ambiental. Os botos são todos livres, vêm quando querem e não recebem peixe suficiente.Precisam seguir pescando grande parte. Não é permitido nadar com eles e nem alimentá-los.
https://www.icmbio.gov.br/parnaanavilhanas/turismo-com-botos-vermelhos.html
Dos 9 locais no AM onde há interação com botos, este é o único regulamentado pelo ICMBio. Aqui eles são conhecidos pelo nome. Depois de observá-los dá para notar a diferença na fisionomia.
Os tucuxis são os botos cinza, um pouco menores. Vivem em bando e são mais fáceis de avistar, mas se aproximam menos. Não é fácil fotografá-los, principalmente dos barcos em movimento. O negócio é admirar, afinal mamíferos são nossos primos.
Sudestinos que somos, ouvíamos alguém falar em “flutuante” e não entendíamos bem o conceito. Com a variação do nível dos rios, os flutuantes foram a solução encontrada para sempre estar na margem, subindo e descendo conforme o nível do rio.
Se na praia você vai entrando aos poucos, sempre arrastando os pés caso haja uma arraia, do flutuante você entra pulando de cabeça no rio. Aliás, a temperatura é um espetáculo. Que diga quem entrou no rio de manhã, à tarde e até à noite.
Alguns flutuantes têm cordas que te ajudam a não ser levado pela correnteza, que aqui não é forte. Se vir um flutuante, tente conhecê-lo. Nem todos são públicos e nem todos permitem banho. Há casas, hotéis, casas de pesquisa, bares e restaurantes. Há inclusive um dedicado à observação de botos rosa.
Este rio e este parque são tão imensos que às vezes esquecemos que estamos no meio da Amazônia e que precisamos tomar cuidado.
Antes de pular na água, pergunte a quem conhece. Embaixo de alguns flutuantes moram jacarés, que são territorialistas. Em geral onde ocorre pesca ou onde são jogados restos de alimentos há um “Jack” à espreita. Ouça quem conhece. E, se quiser saber mais sobre uma história de flutuantes e jacarés, ouça também o episódio 30 do podcast Rádio Novelo chamado “Deise e Doroteia”.
No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:
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