Jaú e Anavilhanas: não são iguais?

Pois bem, não é porque a base é a mesma (Novo Airão) ou mesmo porque compartilham o mesmo rio (Negro) que os parques são iguais. Apesar de estarem bem próximos, têm características naturais e de ocupação bem diferentes. São irmãos de gerações diferentes, mas não são iguais.

O Parna de Anavilhanas de tem muitas ilhas, um acesso de bate-e-volta de Novo Airão para visitas durante o dia (ou à noite) com pernoite na cidade. Além disso, a maior parte do parque fica em área que alaga metade do ano (mata de igapó), ou seja, não foi ocupada por humanos no passado. Um parque onde é mais fácil chegar na época da seca nas praias do que no Jaú.

O Jaú fica rio Negro acima, é um parque que fica perto o suficiente para passar alguns dias, mas longe para ir passar um só dia (é possível, mas vai dar mais vontade de ficar do que ir embora). Não há estrutura para pernoite fixa, o que é uma delícia: achar onde ficar e montar acampamento. Ali vivem as árvores mais antigas da Amazônia, as macacarecuias, que chegam a ter mil anos.

O Jaú teve uma ocupação para a seringa, que acabou no início dos anos 90 com a criação do parque e dificuldade das famílias de fazer as trocas de produtos necessárias para sua subsistência. Por mais que por lei não deva haver gente morando em parques, muitos foram criados com pessoas já na sua área.

Ainda hoje vivem cerca de 70 famílias na área do Parna do Jaú, a maioria trabalha com roça e coleta de sementes para consumo, como castanha, ou para óleo, como andiroba.

Na dúvida, vá a ambos. Uma vez em Novo Airão, aproveite que há dois parques muito próximos para ver por si mesmo as diferenças e complementaridades entre eles. Afinal, não há natureza desconectada, está tudo no mesmo mundo.

Vamos começar pelos superlativos

Este aqui é o segundo maior parque nacional brasileiro em área. Se no Parna das Montanhas do Tumucumaque, que é o maior e abriga espécies das árvores mais altas da Amazônia (e do Brasil), os angelins gigantes, e no terceiro maior, Parna do Pico da Neblina, fica o ponto mais alto do Brasil, o Yaripo com quase 3.000 metros acima do nível do mar, o que tem aqui no Jaú?

Jaú, que dá nome ao rio que é protegido pelo parque, é o nome de um peixe enorme, que pode pesar até 100kg, uma espécie de bagre. Mas ele vive nas locas próximas a cachoeiras e é dificílimo de ver. Por maior que seja, não é o superlativo do parque.

Procuramos fotos do peixe para ilustrar, até porque ele vive no fundo e não conseguimos ver ou registrar. Mas a maior parte das fotos é de pesca, da qual não sabemos a origem, e a qual alguns chamam de esporte. Então, deixamos aqui o link do wikipedia se você quiser saber mais sobre esse peixe que dá nome ao rio e ao parque nacional.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ja%C3%BA_%28peixe%29

Aqui também estão alguns registros de presença humana pré histórica, os petroglifos. Eles surgem na época da seca e ficam submersos mais da metade do ano. Junto com as áreas de Terra Preta, mostram que a Amazônia não era despovoada, mas bem habitada.

Acredita-se inclusive que grande parte do que vemos foi manejado pelo homem. Apesar de lindas e de causarem questionamento sobre quem fez os petroglifos e o que representavam, ainda não é o superlativo do parque.

Ma-ca-ca-re-cui-a. O que será isso?

Uma palavra enorme para descrever as árvores mais antigas da Amazônia. Elas chegam a ter mil anos, vivem em áreas que estão constantemente alagadas. Lindas, mas inacessíveis a pé ou a nado, podem ser admiradas percorrendo os imensos lagos e margens dos rios de barco.

Apesar de antiquíssimas, estão altamente ameaçadas, pois com as mudanças climáticas não somente o nível médio dos rios mudou, como a amplitude das águas também.

Mesmo em um dos locais mais bem protegidos do nosso país, e talvez do mundo, “por não ter sofrido ocupação humana permanente como a presença impactante de garimpeiros e madeireiros” (segundo o Iphan), elas sofrem as consequências das mudanças climáticas. Um viva às macacarecuias que parecem flutuar nessa imensidão onde não sabemos onde começa a floresta e termina a água.

Fomos na “época errada”

No final do ano, quando as águas baixam, formam-se praias imensas e deliciosas para banho no rio Negro, tanto no Parna Anavilhanas, onde aproveitamos, quanto aqui no Jaú.

No início do ano começa a chover e as águas atingem seu ápice em julho, quando já não chove mais aqui, mas as águas que descem do alto rio Negro e do rio Branco (lá no Parna Viruá e Monte Roraima) chegam. Junto com esse volume de água chegam mais turistas para navegar pelos igapós.

Pois bem, viemos no meio do caminho, afinal não temos como ficar indo e vindo. Chegamos à região norte em junho do ano passado e desde então temos visto todo o sofrimento da seca e queimada, torcido por chuva. Nada mais justo que a chuva cair nas nossas cabeças e presenciarmos como é o inverno amazônico.

Não foi só lindo, como foi muito especial. As cachoeiras que ficam inacessíveis na seca também ficam totalmente cobertas na cheia. Na meia estação, elas estão ali. Para os poucos visitantes que se dispõem a ir na “época errada”.

Há sim mais carapanãs, os pernilongos ou muriçocas da região norte. Mas em rio de águas pretas há menos insetos, então o incômodo é tolerável. A temperatura é ótima fora e dentro da água. Se banhar enquanto chove nos igarapés é um privilégio enorme, dá aquele sentimento de estar dentro de um livro de fotos, um filme digno de National Geographic.

Claro que queremos ainda voltar na estação em que os rios estão no seu ponto máximo, mas em nada nos arrependemos de ter ido nesta época e vivido a mata e os rios com chuva.

Um parque expedição

A base do Parna do Jaú fica a umas 4 horas de voadeira a partir de Novo Airão, onde ficamos como base para o Parna de Anavilhanas. Os parques são irmãos, mas têm belezas e formatos de visitação complementares.

Como falamos no início, para visitar Anavilhanas você faz passeios pelo dia, retornando sempre à cidade ou ao lodge para comer, tomar um banho e dormir. Para visitar o Jaú você precisa fazer uma expedição, se preparar para passar dias no parque.

É uma aventura, uma delícia. Ainda mais quando você vai com pessoas que já viveram ali, mas contaremos isso num outro momento. Passamos cinco dias, dormindo em quatro lugares diferentes, sendo três acampamentos de selva e uma antiga escola em uma comunidade.

Aquilo que pode parecer chato, montar e desmontar tudo todos os dias, pode ser uma grande diversão: ter a oportunidade de viver por alguns dias no parque, de viver em vários quintais numa mesma viagem.

Para quem nos conhece, já sabe: nada melhor que dormir num parque nacional. Isso te permite viver nele, achar um lugar para dormir, lembrar de não deixar nem esquecer nada ali, observar o por do sol, as estrelas, a mudança do tempo, os sons da floresta de dia e à noite, o nascer do sol.

Fazer ciclos completos no parque, sair para fazer focagem noturna. Ainda mais quando as opções de lugares para conhecer, dormir e se banhar são infinitas.

Cachoeiras, banho de igarapé, árvores milenares. Mas e a fauna?

Nos lagos, os botos rosa e os tucuxis se alternam pescando, uns solitários e outros em grupo: todos difíceis de fotografar ou filmar. A cada lago, um ou uns jacarés açu, daqueles bem grandes: podem chegar a viver 80 ou até 100 anos!

Na beira, as ariranhas: parece que têm sempre algo para fazer: pescar, comer, subir o barranco, se esfregar no chão, nadar, vocalizar para espantar predadores. Fora tudo o que não vemos na água, como o próprio jaú e os peixes boi.

Na floresta os mamíferos continuam difíceis de encontrar, mas não por isso não avistamos. Uma família de bugios nos recebeu na cachoeira do Guariba (que é um dos nomes populares da espécie).

Os ágeis uacaris de costas douradas, chamados de bicó por terem um rabo bem curto, só existem aqui. Avistamos, mas não tinha como ter uma foto boa sem borrões. Na dieta deles o ingá. Tivemos a sorte de ver uma árvore de ingá com flores e frutos em vários estágios.

Ainda nas árvores, mas à noitinha, um belo urutau, conhecido como “mãe da Lua”. Se você não conhece a vocalização, vale a pena procurar (sugestão: wikiaves).

Os ares são cruzados por biguás e pelas garças brancas e mouras, todos pescando. E lá em cima o silêncio é frequentemente interrompido pelas barulhentas e lindas araras.

Na volta ainda demos uma passada na Ilha do Jauari, que é uma das 400 ilhas do Parna de Anavilhanas e fomos presenteados com o avistamento do “rabo de arame”, endêmico, e por um filhote de preguiça que estava bem na altura dos olhos.

Deu para sentir um pouquinho de como é estar lá e conviver num ambiente como esse por uns dias?

A floresta espelhada

Olhar para a água e ver a floresta espelhada não é exclusividade do Parna do Jaú. Mas as águas bem escuras dos rios ajudam a formar espelhos quando os rios estão calmos, sem vento ou chuva e mais cheios, o que acontece com bastante frequência.

Chega uma hora em que você nem olha mais para cima, para o horizonte. Olha para o rio e vê nele o reflexo das nuvens, das árvores, até das aves. É um espetáculo, um ângulo que não enxergaríamos olhando diretamente. E de repente tudo se rompe com as ondas de um barco vindo na direção contrária.

Ainda não foi desta vez que navegamos por onde uma vez já caminhamos, mas já deu para sentir bem o gostinho do que é ver tudo dobrado.

Da seringa ao turismo, mas sem romantismo

A família do Vermelhinho e sua irmã Marizete, que nos levaram ao Parna do Jaú, viveu por gerações aqui. Extraindo seringa, coletando castanhas e outros tantos produtos da mata.

Eles e os irmãos nasceram na área onde depois foi criado o Parna e viveram lá até o início dos anos 90. A saída não foi por opção própria, mas a história é deles, só vindo aqui para pedir que eles contem.

Viveram até os 20 e 15 anos, respectivamente, num lugar onde hoje levaria 5 dias de barco só para ir. Sim, você leu certo: dias, não horas. A única comunicação com o “mundo exterior” ocorria quando o barco regatão vinha comprar o que eles forneciam e vender o que eles precisavam.

Não chegamos nem perto de onde eles viviam, mas ficamos com vontade. Quando eles voltarem, certamente dará um documentário.

O conhecimento, o respeito e admiração que eles têm por este lugar que já foi a casa deles não tem precedentes. Foi como sermos recebidos por alguém em sua casa antiga, onde estão as memórias e as paisagens, onde os sons e tons trazem lembranças.

Eles nos contaram (e precisa contar, pois paulistanos que somos não temos ideia de como é a realidade) que antes do inverno (época das chuvas) era necessário estocar alimentos. Durante o inverno os peixes não ouvem o barulho do anzol na água. Os animais terrestres ficavam entocados. Que dirá receber notícias, suprimentos vindos de fora?

Eles levaram tudo e não deixaram nada na mata. Nada foi mexido, cada acampamento ficou como encontramos, como se ninguém tivesse passado por lá. Para nós foi tudo uma experiência inédita, para eles foi como voltar para casa.

No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:

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