O mais novo parque nacional brasileiro

Cada um dos nossos 74 parques nacionais tem uma história e data de criação distintas, não foram criados todos de uma vez só. O primeiro foi criado em 1937, Itatiaia. O último foi criado em 2018, o Boqueirão da Onça.

Pela nossa vivência – já foram 46 parques nacionais visitados – quanto mais antigo o parque, maior a conservação. Quando Itatiaia, Serra dos Órgãos e Iguaçu foram criados na década de 1930, o desmatamento até aquele momento era muito menor, usava-se nada ou praticamente nada de veneno, a fauna estava presente no entorno das áreas degradadas dispersando sementes. A natureza se recuperava mais facilmente, sem que fosse necessário a intervenção humana.

Até agora, parece que quanto mais novo o parque, mais deteriorado na época de sua criação. Mas o Boqueirão da Onça nos surpreendeu positivamente pelo seu nível de conservação: a caatinga ali está muito bem protegida.

Este é um local de difícil acesso com pouco interesse da monocultura. Há menos de uma década essa região ganhou visibilidade econômica pelo potencial da energia eólica.

O parque foi criado graças às pesquisas deste refúgio de onças na caatinga. Há décadas os pesquisadores se enfiam no mato (tarefa dura na caatinga), para monitorá-las e estudá-las.

Graças a eles, o ambiente foi estudado, a importância foi entendida, o parque foi criado e muitas espécies foram salvas. A onça é topo de cadeia. Para ela existir, um ambiente todo precisa ser protegido.

Por ser um parque recente, ainda não há estrutura turística, não é fácil chegar aqui

Mas vale a pena? Sempre vale! Mas vá preparado: há coisas lindas de ver, mas não é só a caatinga que é espinhosa por aqui.

O lado positivo: a reintrodução da Arara-azul-de-lear

A gente ouve falar de ararinha azul, de arara-azul, de arara-azul-de-lear. Pois é, estão todas com algum nível de ameaça, e são espécies diferentes. Na área do Parque Nacional do Boqueirão da Onça está sendo conduzido um projeto para reintrodução da espécie, que estava fadada a desaparecer na região.

https://www.nationalgeographicbrasil.com/animais/2021/02/biologa-erica-pacifico-luta-para-salvar-arara-azul-de-lear-sertao-nordestino

Tivemos o privilégio de passar alguns dias com a equipe que está reintroduzindo araras-azuis-de-lear no Boqueirão da Onça. Nos anos 90 estima-se que havia 100 indivíduos. Foram todos capturados para venda no exterior, exceto dois. TODOS, EXCETO DOIS.

O que aconteceu com elas? Foram capturadas e vendidas por até US$50-100 mil. Cada uma.

Ao estudá-los, os pesquisadores verificaram que eram duas fêmeas, que parearam e passaram a viver juntas. Sem a atuação deles, a espécie estava fadada à desaparecer nesta região.

As araras são extremamente inteligentes, vivem muitas décadas e carregam uma cultura própria: onde fazer ninhos, onde comer, onde se proteger de predadores.

Era uma corrida contra o tempo: reintroduzir araras de outros locais (apreendidas das mãos de traficantes, que se reabilitaram ou foram criadas em cativeiro) antes que as duas originais morressem.

Assim, as duas araras-azuis-de-lear originais deste território poderiam passar adiante a cultura criada e passada ao longo de gerações. Sim, araras também têm cultura!

E conseguiram! As araras introduzidas já estão inclusive nidificando, aos poucos uma população inteira vai se formando e a cultura será passada!

Imaginávamos pesquisadores como pessoas de avental e cabelos brancos num laboratório. E erramos feio. As araras nidificam em paredões, para chegar até lá é preciso fazer um rapel, montado por eles mesmos, descer uns 70-100 metros e se enfiar em buracos onde não sabem se será possível entrar ou mesmo se haverá ovos ou filhotes para estudar. Um trabalho que exige muita dedicação e também muita coragem.

Não tivemos o privilégio de vê-las de perto. Mas só de ouvi-las, saber que há uma equipe apaixonada e qualificada, totalmente empenhada em sua reintrodução na natureza e que possibilitou que hoje haja algumas dezenas voando por ali, já saímos felizes e completos.

Não temos palavras suficientes para parabenizar esse grupo que, além de tudo, precisa trabalhar meio que na surdina, pois os traficantes não podem voltar. Os locais dos ninhos precisam permanecer secretos. Um trabalho árduo porém essencial para garantir a conservação.

Parabéns aos heróis do Projeto Arara Azul de Lear, assim como tantos outros pesquisadores que se dedicam de forma praticamente anônima à conservação! Somos fãs!

O garimpo vivo

Quando ouvimos a palavra garimpo, logo pensamos em ouro e diamantes, na contaminação dos rios da Amazônia por mercúrio.

Mas de onde vem cada pedra ou cristal vendido por aí como “energizante”? Aqueles vendidos legalmente em lojas físicas, online, feiras de artesanato?

Pois é: a maioria vem de atividades ilegais e chegam a custar vidas. Testemunhamos esse processo aqui.
Ué, em parque nacional tem garimpo? Não deveria, mas a época em que este parque foi criado coincidiu com uma corrida pelos cristais e ametistas na região. Vamos descrever um pouco da situação atual, não recomendamos visitar essa região do parque.

Em 2017, do dia para a noite, mais de 8 mil pessoas foram atraídas pela promessa de que era só pegar esses cristais no chão e ficar ricos. O parque foi criado em 2018, poucos meses depois, quando o garimpo estava instalado.

Ainda hoje há mais de 2 mil pessoas dedicadas ao garimpo na região. Além daquelas que trabalham indiretamente. Além de realizar atividades ilegais – retirar recursos de uma unidade de conservação de proteção integral – fazem isso sem qualquer segurança e em alguns casos em condições de trabalho análogas à escravidão.

Muitas pessoas, quando conseguem encontrar uma pedra, já estão devendo mais do que ganharão. Outras tantas perdem a vida aqui.

Essa visita nos relembra a responsabilidade que temos em conhecer a origem do que consumimos.
Aquela pedra aparentemente inofensiva que promete trazer energia para quem a carrega, levou não só a energia embora de um ambiente, mas também muitas vidas.

Temos visto em muitos parques nacionais exemplos de pessoas que trabalhavam em atividades ilegais e que hoje estão totalmente voltadas ao turismo, com uma renda constante, direitos trabalhistas e do lado da conservação. Não há uma receita de bolo, mas acreditamos que ordenar e incentivar o turismo nesta região seja um dos caminhos.

A interpretação ambiental

Não foi o parque nacional mais fácil de visitar. Mas foi um dos que nos trouxe mais conhecimento e reflexão. A caatinga bem protegida, a reintrodução das araras-azuis-de-lear, a proteção da onça e seu habitat, o papel do ser humano em meio à tudo isso, os inúmeros boqueirões.

Um dos objetivos de parques nacionais é permitir a interpretação ambiental: o que você vê, sente, ouve, experimenta no ambiente natural?

Boqueirão é uma “abertura de canal ou na costa”, “quebrada entre os montes”. Vendo e conversando com os locais, é um vale com um fim abrupto, geralmente na caatinga onde deve haver uma cachoeira quando chove, mas sem sinal de água quando não está chovendo.

Essa é nossa livre interpretação. Interpretamos a beleza, assim como os impactos das torres eólicas que estão ao redor do parque, onde as aves se chocam e os morcegos, por conta da mudança de pressão criada pelo vento canalizado pelas torres, perdem a vida. Morcegos, aqueles que à noite polinizam a caatinga.

Onde as pedras que vão parar nos colares de proteção custam vidas. Onde ainda há poucos servidores e turistas. Onde podemos aprender e reverter alguns ciclos e impactos.

Cada parque tem sua singularidade, todos são belos e importantes. Não é da boca para fora. Se você nunca visitou um, dê a si mesmo esse presente e interprete um deles. A interpretação é livre, mas só faz quem visita.

No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima:

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