Sobre mapas e Parques Nacionais
Chama a sua atenção o fato de a divisa norte do MT ser uma linha quase reta e justo ali haver uma “pontinha”, um “triangulinho”? Sempre chamou a nossa. Se você nunca reparou, dá uma olhada abaixo.
Hoje em dia é possível dar zoom, mas no Atlas escolar dos anos 80 e 90 não havia essa opção e a imaginação ia longe. Ao começarmos a planejar a rota para o Parna do Juruena entendemos por que há essa pontinha.
Aliás, duas coisas nos chamam a atenção imediatamente quando começamos a pesquisar a visita a um parque: o nome (origem, o que pode remeter a paisagens que veremos, quem será que definiu?) e o formato (os limites, os contornos, no detalhe o que está dentro e o que ficou fora do parque).
Dizem que muitos parques foram definidos em sobrevoos e olhando mapas em Brasília. Já conversamos com muitas pessoas responsáveis pela criação de Unidades de Conservação e não parece ser verdade esse bilhete.
Grande parte do Parna do Juruena fica justamente nessa pontinha que hoje sabemos que é delimitada por dois rios: o Juruena a oeste e o Teles Pires a leste. Sabemos não somente que são os dois rios, mas agora também a cara dos dois rios e a diferença com relação aos demais grandes rios da Amazônia, cada um tem a sua cara.
Antes de políticas, as fronteiras são de países, estados e cidades, são acidentes geográficos. Agora não somente faz sentido, parques nacionais não seriam diferentes. Até porque muitos rios são barreiras espécies de animais que vivem somente de um lado deles.
Bem vindos ao Parna do Juruena. O 4o maior parque nacional brasileiro, um gigante que divide-se entre dois estados igualmente enormes: AM e MT. Agora que já tentamos todos os caminhos e contatos, podemos dizer: quem for fazer ecoturismo, comece pelo MT, é bem mais fácil.
Salto Augusto
Vamos direto ao ponto: um dos principais motivos para a criação deste parque foi o Salto Augusto. E realmente, é de cair o queixo.
Pesquisamos muito e não achamos dados da vazão dessa catarata (sim, usaremos esse nome porque é ao que nos remete). Pelo nossa observação, deve ser a segunda maior vazão em parques nacionais, somente perdendo para Iguaçu.
Não encontramos referências da origem do nome do Salto Augusto, que é um dos principais atrativos do parque. No entanto, Augusto é uma palavra latina que significa majestoso. Se tiver sido esse o motivo e a intenção, acertaram, pois não é nada menos que extraordinário.
Apesar de ser uma área remota do país, obviamente não fomos os primeiros a chegar lá. Grande parte do parque nacional tem sobreposição a uma Terra Indígena dos Apiacás. E há séculos esta rota é usada para conectar o que chamamos hoje de Centro-Oeste à saída do mar no rio Amazonas.
Uma das expedições mais bem documentadas e acessíveis até hoje, apesar de grande parte ter sido perdida, é do barão alemão e naturalista Grigóry Ivanovitch Langsdorff. O artigo do WWF narra um pouco dessa aventura e traz algumas referências.
O estrondo é impressionante, o som se propaga por quilômetros, apesar de o salto estar bem “escondido” depois de uma curva do rio e rodeado de uma densa floresta. São duas grandes quedas separadas por uma ilha imensa. Fomos na época seca e pudemos chegar pertinho da queda, com segurança.
Não tem como descer o salto de barco. Mas há um porto logo antes de onde dá para sair caminhando até as partes alta e baixa.
293 felizardos visitaram o Parna do Juruena vs 1,8 milhões no Parna do Iguaçu em 2023. O turismo é incipiente, mas muito possível e maravilhoso, falaremos mais sobre isso.
Não tem como não pensar no risco que isto tudo corre. Segundo ((o))eco, o rio “Juruena e seus afluentes contabilizam mais de 30 hidrelétricas, e mais uma centena estão previstas para serem erguidas na sub-bacia, uma ameaça ainda maior ao já impactado fluxo hídrico, assim como aos povos que dependem do rio para comida, transporte e para algo imensurável: a preservação do sagrado.”
Dois parques nacionais já foram extintos, ambos para construção de hidrelétricas. Precisamos ficar de olho, conhecer e nos apropriar das belezas e da importância de lugares como este.
Assim como o Parna da Ilha Grande, que divide o MS do PR, onde está o último trecho não diretamente mexido pelo homem do rio Paraná, este trecho do Juruena tem uma das últimas grandes quedas de água ainda não represadas para geração de energia elétrica. Tomara que o parque continue ajudando a proteger as quedas e todo o equilíbrio que elas mantêm há milhares de anos.
Sumaúma pulsando
Também chamada de samaúma, árvore da vida ou escada do céu, geralmente ocorre próximo aos rios e pode chegar aos 50 metros. É fácil de reconhecê-la por sua sapopema, uma raiz tabular enorme. Mas também linda por sua copa, cujos galhos são verdadeiros troncos em formato de mão e dedos.
Se você nunca viu uma sumaúma e tiver essa possibilidade, recomendamos.
Pertinho do Salto Augusto tem uma sumaúma muito especial. Duas raízes se encontraram e formaram um tipo de câmara, bem na altura do peito. Colocando a cabeça ali, você ouve uma pulsação.
Será a pulsação da árvore, que é uma verdadeira bomba d’água, dispersando mais de mil litros de água na atmosfera ao dia? Ou será a reverberação da nossa própria pulsação, do sangue que corre nas nossas orelhas e se propaga no interior dessa câmara natural?
Independente do motivo e da razão, isso faz esta sumaúma única. Esta pode ter sido a última samaúma da nossa expedição, pois estamos nos despedindo, pelo menos temporariamente, da região norte. Não houve sumaúma que não nos encantasse, que não fosse única. Assim como não houve outra árvore, animal, fungo, trilha, igarapé que não nos tocou à sua forma.
Tanto faz se é a última, penúltima ou primeira. Precisamos curtir cada uma, cada momento, cada árvore, cada encontro com fauna, cada conversa com comunidades tradicionais.
Não existe sumaúma igual a outra, assim como não há araucária igual a outra, como cada fungo é diferente e único, como cada borboleta em um voo próprio. Ver um ser desses nos faz lembrar que estamos de passagem e que precisamos curtir cada pedacinho do mundo e cada experiência como se fosse a última mesmo.
A melhor forma de visitar: remando!
Este é o 4o maior parque nacional do Brasil, bem no limite de três grandes estados. De cara, já sabíamos que visitar todo o parque seria tarefa para um ano, se não para uma vida.
Pesquisamos, perguntamos, buscamos mapas, contatos e alternativas. Chegar ao “meião” do parque, onde o Juruena encontra o Teles Pires é difícil e caro. O trajeto de barco pode ser perigoso pelo excesso de corredeiras, o que torna o avião fretado o único meio, mas inviável financeiramente (pelo menos para nós).
A melhor forma de visitar é chegar até a beira do Juruena, que fica perto de Cotriguaçu e não tão longe de Alta Floresta, para onde há voos regulares. Podia parecer restrito face ao tamanho do parque. Mas foi bom demais, só lá já daria para ter passado mais tempo curtindo.
O ecoturismo ainda não está desenvolvido nesta região. Mas talvez seja um dos parques amazônicos onde possa ser mais facilmente implementado. Sabe por quê? A trilha está pronta, e é o próprio rio. Mais uma similaridade com o Parna de Ilha Grande no rio Paraná, por onde passa a Rota dos Pioneiros, a maior trilha aquática do Brasil.
Imagina um rio largo, sem os animais que representam riscos, como jacaré açu, arraia e peixe elétrico. Cheio de praias, onde o céu não sofre qualquer interferência luminosa e é um dos mais escuros do mundo à noite?
A correnteza é sua amiga, é só remar rio abaixo e curtir. Seguir o fluxo sem pressa, perto da borda para ouvir os animais, para dar uma paradinha e um mergulho, para pegar um pouco de sombra. Nos lugares onde há corredeiras mais fortes, dá para usar um barco a motor como apoio. Seguir por dias até deixar seu queixo cair no Salto Augusto.
Pinturas rupestres
Além do patrimônio natural de valor inestimável, o parque nacional também tem uma importância histórica. Ao longo dos paredões há pinturas rupestres, cuja datação ainda é incerta, mas que remontam à pré história, ou pelo menos a um período anterior à chegada dos europeus.
As pinturas rupestres sempre trazem um encanto e uma série de perguntas. O que cada símbolo ali representaria? Quando foram feitos? Por quem? Para onde foram essas pessoas, essa cultura?
No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima: